Título: Um alerta do FMI sobre gastos públicos e PPP
Autor: Célia de Gouvêa Franco
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2004, Brasil, p. A-2

Não existe mágica nem milagres em se tratando da administração de recursos governamentais. Se um país não tem dinheiro suficiente para bancar as despesas do seu governo, não há muito como fugir da fórmula de controle de gastos acompanhado preferencialmente de aumento de receitas. É sob esse enfoque conservador, cuidadoso, que deveria ser analisada a criação das parcerias público-privadas (as PPP). Ainda há muitas dúvidas sobre sua eficiência e sobre os problemas que a sua utilização poderá provocar para as contas públicas porque, entre outras razões, não há ainda um padrão internacional de contabilização das PPP. Essa é, em resumo, a opinião do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as PPP pelo que se conclui de artigo assinado por dois dos seus especialistas na área fiscal, a diretora Teresa Ter-Minassian e o consultor Richard Hemming. Publicado na edição de dezembro da revista do fundo, "Finance & Development", o estudo não menciona especificamente o Brasil quando trata das parceiras público-privadas, mas é evidente que o artigo pode ser encarado como um alerta à qualquer iniciativa para a implantação desse tipo de mecanismo de financiamento de obras públicas, a começar pelo seu título: "PPP - Trate com Cuidado". A opinião do FMI não tem, é óbvio, peso de lei no processo de aprovação do projeto de PPP no Brasil, mas pode estimular críticas à sua adoção pelos riscos fiscais que representaria. A maior parte do artigo trata, na verdade, da questão mais ampla - de grande interesse para o Brasil - de como seria possível alterar as contas fiscais para que os governos ganhassem maiores facilidades para investir em infra-estrutura. Eles confirmam que o fundo está tocando estudos pilotos em vários países da América Latina e em outras regiões do mundo para se testar a viabilidade de um novo entendimento dessas questões. Aliás, Ter-Minassian e Hemming iniciam seu texto lembrando a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de propor, numa recente reunião da ONU sobre fome e desenvolvimento, de propor que o FMI permita que os investimentos em infra-estrutura sejam excluídos das metas fiscais dos países. Antes disso, em abril, o ministro Antonio Palocci, da Fazenda, já tinha anunciado que o Brasil participará de um projeto-piloto do fundo para discutir métodos de excluir investimentos em infra-estrutura do déficit público e avaliar o risco fiscal das PPP. Como se poderia esperar de pessoas que trabalham para o FMI, o tom de todo o artigo é de cautela, mas ele se transforma em advertência no trecho em que trata especificamente das PPP, um tema que ganhou recentemente enorme destaque no Brasil. No decorrer deste ano, a criação das PPP tornou-se simultaneamente um dos projetos pelos quais o governo Lula mais se empenhou em ver aprovado e um dos que mais geraram controvérsia e debate no Congresso Nacional. Menina dos olhos do ex-ministro Guido Mantega (agora presidente do BNDES), que defendeu a adoção das PPP pela primeira vez há exatos dois anos, antes mesmo da sua posse, em um jantar com 20 investidores internacionais, em Washington, o projeto avança lentamente no Congresso - na semana passada foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora deve ir a plenário.

Risco deve ser repassado para o setor privado

Algumas das observações levantadas pelo artigo do FMI foram objeto de cerrada discussão entre os congressistas. Ter-Minassian e Hemming argumentam que as PPP podem ser usadas para tirar os investimentos dos orçamentos públicos enquanto o governo continua com a maior parte do risco do negócio e enfrenta potenciais custos elevados, que podem cair nas mãos dos contribuintes. "Para que as PPP resultem em serviços de alta qualidade e eficientes, é preciso que haja uma transferência adequada de riscos do governo para o setor privado", afirmam. Para isso, seria preciso compromisso político, boa governança e legislação clara, além de o governo ter que aprimorar seu sistema de acompanhamento de projetos. Quando tratam da possibilidade de mudar a forma de contabilização dos investimentos em infra-estrutura em termos fiscais, Ter-Minassian e Hemming dizem que concordam com os que sustentam que há uma clara necessidade de promover e proteger esses investimentos em muitos países, mas que se preocupam com a possibilidade de que mudanças nos critérios fiscais possam comprometer a sustentabilidade das dívidas governamentais. Eles também tentam rebater as queixas de muitos latino-americanos de que o FMI trata de forma injusta a região porque usa estatísticas para medir desempenho na área fiscal com critérios diferentes para diferentes continentes. Em alguns países, são utilizados dados do desempenho fiscal apenas do governo central enquanto o setor público inteiro é usado no caso da América Latina. E isso seria uma desvantagem, porque investimentos em infra-estrutura tocados por empresas estatais que têm receitas próprias são incluídos nas contas de despesas governamentais. O FMI passou a usar esses critérios, alegam os autores do artigo, porque muitos países latino-americanos têm a tradição de usar empresas públicas para tocar atividades para-fiscais que acabam, mais cedo ou mais tarde, pressionando o setor público, que precisa com freqüência socorrer as finanças dessas estatais. O fundo concorda, de qualquer forma, que dados amplos sobre o setor público não conseguem distinguir quais gastos podem significar risco fiscal. Por isso, está considerando a possibilidade de excluir empreendimentos públicos tomados de forma empresarial das estatísticas usadas como metas fiscais na América Latina na expectativa de que esse tipo de orientação no investimento possa reduzir riscos.