Título: Base aliada recorde traz redução de apoio parlamentar
Autor: Junqueira ,Caio
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2011, Política, p. A9

A mais ampla base parlamentar na Câmara dos Deputados desde a redemocratização não foi suficiente para que a presidente Dilma Rousseff obtivesse um alinhamento dos partidos aliados aos seus interesses. Ao contrário, o que ocorreu neste ano na Casa em comparação com as estreias legislativas de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a queda na disciplina média das principais legendas da base em relação às orientações do governo e também a diminuição da produção de leis.

FHC teve no primeiro ano do primeiro mandato 87,6% de disciplina da base. Reeleito, ampliou esse número para 89,1%. Lula teve taxas de 92% (2003) e 89,9% (2007). Dilma neste ano ficou com 87,1%. Ficou menor também o processo legislativo. FHC aprovou sete emendas constitucionais em 1999, ano em que a Câmara passou a contabilizar por meio digital esses dados. Lula em 2003 aprovou 205 projetos, ante 142 de Dilma. Números decorrentes de um constante tensionamento com a base que, se não apresentar melhoras em 2012, pode comprometer a composição para a sucessão presidencial de 2014.

Não que não tenha havido votações importantes neste ano. Embora sem reformas estruturantes, como as prometidas tributária, previdenciária e política, o governo conseguiu fazer impor sua vontade na quase totalidade dos projetos que quis aprovar. Muitos deles relevantes, como o que criou o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), dando agilidade à Lei de Licitações; a criação de duas estatais (a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade e a Empresa Brasileira de Serviços); a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU); a política de valorização do salário mínimo; a correção da tabela do Imposto de Renda; o Cadastro Positivo; o Supersimples; a reestruturação do Cade e o endurecimento da lei de lavagem de dinheiro.

Só que, a partir de uma olhada atenta a todos esses projetos, constata-se que eles ou iniciaram a tramitação no governo Lula ou resultam de ideias formuladas na gestão anterior ou até mesmo na de FHC. Dilma, portanto, pautou o Congresso pouco, ou menos, do que os presidentes anteriores. Junte-se a esse fator a vulnerabilidade da situação econômica externa, a preocupação da presidente com as contas internas e o consequente contingenciamento de recursos da União e se tem uma quadro de tensão com a base, tendo em vista que as emendas parlamentares foram o grande alvo de cortes e congelamentos neste ano.

Com baixo atendimento nesse item e também nas nomeações de segundo e terceiro escalões, a ampla base se manteve insatisfeita e deu as respostas em plenário. Segundo números do Banco de Dados Legislativos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), à exceção do PP, todas as bancadas - PT inclusive - diminuíram a taxa de disciplina média em relação à registrada no primeiro ano do primeiro mandato de Lula (veja quadro nesta página).

Além disso, essa mesma base, notando a ausência de uma pauta de peso encaminhada pelo Executivo, tratou de aguardar os momentos certos de dar o troco. Isso foi nítido na votação do Código Florestal, quando o governo foi derrotado, e nas negociações para concluir a votação da regulamentação da Emenda Constitucional 29.

Propostas que, a depender de Dilma, sequer seriam apreciadas. Mas que ocuparam grande parte do tempo da Câmara em 2011 e serviram, como outras, de instrumento de troca e ameaça ao governo. Nesse sentido, os maiores problemas para o governo na Câmara em 2011 quem causou não foi a oposição, mas a base. Inclusive nos "cochilos" das convocações de ministros acusados de corrupção.

A ponto de o partido mais governista do primeiro ano de Dilma presidente ter sido o recém-criado PSD, formado majoritariamente por quadros egressos do antipetismo. No curto período de vida no Legislativo, em 97,9% das votações seguiu o entendimento do Palácio do Planalto. A legenda, porém, mantém a autodeclaração pela "independência" e do clichê de que "vota com o governo quando for bom para o Brasil". Mas os números mostram que é mais governo do que o próprio PT, cuja taxa ficou em 94,7%. Bem distante dos outros "independentes", o PR (77,3%) e o PV (68%). Esse time claramente simpático ao governo, somado à base oficial, dá uma margem de segurança de 423 deputados com os quais o Palácio pode contar, contra 90 da oposição (PSDB, DEM, PPS e PSOL), cujas taxas de alinhamento ao governo não ultrapassam 20%.

Com tudo isso em mãos, por que então a queda da produtividade e da obediência? O Valor ouviu, sob reserva, deputados influentes em suas bancadas. Uma avaliação corrente é de que a equipe hoje responsável pela coordenação política no Palácio do Planalto, a começar pela própria presidente, é muito inferior à de Lula, no que se refere à habilidade política. O ex-presidente negociava, pautava o Congresso, permitia a realização de acordos e vetava o que não aceitava. Já Dilma não faz nada disso. É impaciente com a lentidão legislativa e não tolera sobras de votações que deixem para ela a responsabilidade do veto. "Lula trabalhava em menor número na Câmara e no Senado e ganhava. Dilma ganha também, mas é sempre suado e com sensação de derrota", diz um petista.

Em outra análise, feita por um pemedebista, é mencionada a dubiedade do governo no trato com o Congresso. Por meio dela, a continuidade do governo Lula é o termo utilizado pelo atual Executivo ao sabor do momento. "No momento em que interessa, por exemplo, uma votação importante, apresenta-se a justificativa de que se trata de continuidade da era Lula e por isso é preciso votar com o governo. No momento em que não interessa, por exemplo, nomeações e liberação de recursos, apresenta-se a justificativa de que a forma de relacionamento com o Congresso mudou e que Lula não é mais o presidente."

Nesse ritmo, sugerem os parlamentares, 2012 será crucial para definir se a aliança que reconduziu em 2010 o PT ao poder central pela terceira vez se repetirá em 2014. O fator principal a ser verificado será o crescimento de prefeituras petistas. Se as 558 conquistadas pelo partido da presidente ultrapassar ou mesmo se aproximar das 1.207 do PMDB, pode haver fraturas na base. Ainda mais se o PT se distanciar muito dos partidos médios nesse ranking, como PP (557), PTB (415), PR (382), PDT (343) e PSB (314).

Considerando a agenda na Câmara para o próximo ano, são grandes as chances de a tensão ser mantida. A redistribuição dos royalties do petróleo e o Código Florestal estão de volta à Casa, a contragosto do governo, que já tem indicado suas prioridades. Além do Funpresp e da Lei Geral da Copa - rescaldos deste ano -, o Executivo quer aprovar o projeto que modifica o sistema de cobrança da dívida ativa da União, a nova regulação do setor mineral e o novo marco legal das agências reguladoras.