Título: Câmbio remunera maioria dos setores
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2006, Brasil, p. A2

A gritaria contra o nível do dólar continua forte, mas muitos setores da economia não têm do que reclamar, de acordo com um estudo da MCM Consultores Associados. Cálculos da MCM mostram que, em 17 de 31 setores analisados, o câmbio de equilíbrio seria inferior aos R$ 2,166 do fechamento da sexta-feira.

O trabalho sugere que setores como os de extração de petróleo, siderurgia, abate de animais e de açúcar manteriam o fôlego exportador mesmo com um dólar bem abaixo do atual. O câmbio de equilíbrio do segmento de abate de animais seria de R$ 0,83 e o da indústria de açúcar, de R$ 1,56. Na outra ponta está o setor agropecuário, que necessitaria de um dólar de R$ 2,95 para voltar a ser rentável como nos últimos anos. A percepção dos empresários, porém, por vezes confronta com as conclusões da MCM.

No estudo, o câmbio de equilíbrio é definido como o que leva a rentabilidade do segmento para o nível médio dos últimos cinco anos, dados os atuais preços em reais dos produtos. Para chegar lá, a MCM considerou as cotações dos produtos de cada setor e sua estrutura de custos, levando em conta a matriz insumo-produto. "Dessa forma, pretende-se captar o impacto da variação cambial não apenas na receita do setor, mas também em seus custos", explicam os analistas da MCM.

Para o economista-chefe da MCM, Celso Toledo, o estudo deixa claro os impactos divergentes do câmbio entre os setores da economia. Ele lembra que alguns segmentos são francamente beneficiados com um dólar barato, por exportar pouco e ter boa parte dos custos influenciados pela valorização do câmbio. "É o caso da indústria farmacêutica e de perfumaria", afirma ele. Segundo o estudo, uma taxa de câmbio de R$ 1,66 seria suficiente para levar a rentabilidade das empresas deste setor para o nível dos últimos cinco anos. Os setores de material elétrico, outros veículos e peças e de indústria têxtil também têm relação negativa entre a desvalorização do câmbio e o aumento de rentabilidade.

A análise da MCM também indica que há outros setores que poderiam conviver com um câmbio bem mais valorizado. São aqueles beneficiados por cotações elevadas de seus produtos no mercado internacional, e que ao mesmo tempo têm preços domésticos fortemente correlacionados com os preços externos - é o caso dos de extração de petróleo, siderurgia, abate de animais e de açúcar.

Mas a visão dos empresários às vezes, é bem diferente. É o caso do empresário José Pessoa Queiroz Bisneto, presidente do grupo José Pessoa, do setor de açúcar. Para ele, um câmbio de R$ 1,56 inviabilizaria o setor. Pessoa diz que, dadas as cotações internacionais do açúcar, o dólar não pode cair abaixo de R$ 2. Ele reconhece que os preços externos estão elevados, mas diz também que alguns custos do setor aumentaram, citando a mão-de-obra, o arrendamento de terras e os insumos. "O setor agüentaria um câmbio de R$ 2 com sacrifício."

No outro extremo está o setor da agropecuária, para o qual seria necessário um dólar próximo de R$ 3 para obter a rentabilidade média dos últimos cinco anos. O economista Genílson Santana, da MCM, diz que o grande problema é que o setor sofreu muito com o aumento de custos nos últimos anos. Os preços de fertilizantes, defensivos agrícolas e do óleo diesel subiram significativamente, ao passo que os preços dos produtos ficaram próximos da média dos últimos cinco anos. Santana explica que o segmento inclui a produção de grãos, frutas e raízes e a criação de animais, por exemplo, excluindo produtos industrializados.

Para o superintendente comercial e industrial da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, Celso Carlos dos Santos Júnior, um dos grandes problemas é que, no segmento agrícola, a formação dos preços dos insumos ocorre em geral um ano antes da comercialização dos produtos. "E, nos dois últimos anos, o que mais atrapalhou foi que os produtores compraram insumos a uma taxa muitíssimo maior do que a de venda de sua produção." Santos Júnior diz que seria fundamental para o setor uma taxa mais estável e em patamar mais elevado. Para ele, é possível que um câmbio estabilizado em R$ 2,50 - bem abaixo dos R$ 2,95 do estudo da MCM - conseguisse resgatar boa parte das culturas, como soja, algodão e milho.

O diretor da unidade de carnes da Coimex Trading, Jerry O'Callaghan, por sua vez, avalia que, para o setor de carne bovina, seria importante um câmbio na casa de R$ 3. "O segmento tem sofrido muito com a valorização do câmbio", diz ele, acreditando que haverá uma redução de investimento e de oferta do produto, ainda que os preços da carne no mercado internacional tenham aumentado algo como 10% nos últimos 12 meses. O'Callaghan acrescenta que boa parte dos custos do setor não são dolarizados.

O câmbio valorizado, porém, não tem impedido o forte aumento das exportações agropecuárias. Nos 12 meses terminados em março, o volume exportado do segmento cresceu 30,6%, apesar do impacto negativo do dólar barato. No caso da indústria do café, porém, o câmbio faz seus estragos: no período, as vendas externas caíram 10,7%.

Na indústria, também há sinais conflitantes: o segmento de abate de animais, que poderia, de acordo com o estudo, agüentar um dólar de R$ 0,83, viu suas exportações aumentarem apenas 0,7% no período; já a indústria de borracha, cujo câmbio de equilíbrio seria de R$ 1,93, teve crescimento de vendas de 17,6%.

O que ocorre com o setor agropecuário é atualmente mais exceção do que regra, de acordo com o estudo da MCM. Os empresários dos segmentos industriais, por exemplo, não pedem mais um câmbio na casa de R$ 2,80 a R$ 3 para rentabilizar suas atividades.

O presidente da Movelar, Domingos Rigoni, que também comanda a Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), avalia que um dólar a R$ 2,50 seria de equilíbrio do segmento moveleiro. Para driblar o dólar barato, ele cortou custos, buscou novos mercados e investiu mais em design. Com isso, de janeiro a maio, a Movelar conseguiu aumentar as exportações em 70% em relação ao mesmo período do ano passado. O setor, porém, viu suas vendas externas caírem 11,5% no período. Por isso, ele avalia que o ideal seria um câmbio de R$ 2,50 - o mesmo que aparece no estudo da MCM.

O estudo mostra, por fim, que há alguns setores em que não é possível determinar qual é o câmbio de equilíbrio. É o caso do automobilístico e do de calçados. Santana explica que uma das primeiras etapas do trabalho foi calcular a porcentagem da variação cambial que é repassada para os preços. No caso dos calçados e dos automóveis, o repasse médio foi da ordem de 30%, mas por outro lado, cerca de 30% dos custos destes setores possuem elevada correlação com o dólar. "Isso faz com que não seja possível medir diretamente o efeito da variação cambial sobre a rentabilidade."