Título: Mercosul ajuda Brasil a criar perfil exportador, mas perde importância
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2004, Brasil, p. A-3
Dez anos após o início do Mercosul, as exportações brasileiras de manufaturados diversificaram seus destinos e reduziram a dependência em relação ao mercado argentino. Os empresários acreditam que o bloco foi fundamental para iniciar o processo e criar uma cultura exportadora de bens industriais no Brasil. Em 1994, 13,6% de tudo o que o Brasil exportou teve como destino os três parceiros do bloco. Em 1998, auge do comércio na região, o percentual subiu a 17,3%. Este ano, até outubro, caiu para 9,2%. A participação das vendas para a Argentina recuou de 9,5% em 1994 para 7,6% este ano. Em valor, as exportações brasileiras para a Argentina, principal sócio do Brasil no Mercosul, aumentaram brutalmente na última década. Comparando a média mensal de janeiro a outubro de 2004 com a média mensal de 1994, foram registrados aumentos de 293% nos embarques de automóveis, 108% nos veículos de carga, quase 6.000% nos aparelhos transmissores, 581,5% nos calçados e 110% nos têxteis, segundo dados da Secretária de Comércio Exterior (Secex). Apenas as vendas de autopeças recuaram 25%, por conta do desmonte da indústria automobilística argentina. No entanto, as vendas para a Argentina cresceram menos que os embarques totais em vários destes produtos, resultando em perda de participação daquele mercado. Em 1994, início do Mercosul, a Argentina absorvia 46% dos automóveis exportados pelo Brasil. Entre janeiro e outubro de 2004, esse percentual caiu para 28,9%. A participação do mercado argentino nas exportações de autopeças recuou de 35,6% em 1994 para 15,3% nos primeiros dez meses de 2004. Nos veículos de carga, a participação da Argentina nas exportações totais saiu de 31,8% em 1994, atingiu 55,2% em 1998, mas recuou para 38,2% entre janeiro e outubro deste ano. Em calçados, as exportações saíram de insignificante 1% do embarque total em 1994, para 5,6% em 1998 e ficaram quase estáveis: 6% até outubro. O market share da Argentina na exportação de têxteis chegou a 31,4% em 1998 e caiu para 18,4% em janeiro a outubro de 2004. A área de aparelhos transmissores registra ganhos expressivos: 1,6% em 1994, 17,7% em 1998 e 27,3% nos primeiros dez meses de 2004. Segundo especialistas, as indústrias brasileiras enxergavam o Mercosul como uma extensão do seu mercado interno entre 1994 (início da união aduaneira) e 1998 (auge do comércio intra-bloco). As exportações brasileiras para o país saltaram de US$ 4,1 bilhões para US$ 6,8 bilhões naqueles quatro anos. Após a forte crise vivida pela Argentina, os brasileiros saíram em busca de outros mercados e as exportações declinaram para US$ 2,3 bilhões em 2002. Os argentinos perderam o posto de primeiro destino das exportações brasileiras em setores importantes como automóveis e máquinas e equipamentos. Após o acordo de preferências tarifárias com o México, o país passou a ser o grande destino das vendas brasileiras de carros. Em 2004, com a recuperação da economia argentina, o país voltou a ser importante comprador de produtos brasileiros, absorvendo US$ 6 bilhões em exportações entre janeiro e outubro, principalmente de manufaturados. Só que os empresários brasileiros não abandonaram os novos mercados conquistados. "O Mercosul despertou o espírito exportador da indústria", avalia Adimar Schievelbein, consultor para assuntos internacionais da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). "Apesar do relacionamento conturbado, foi um campo de teste positivo", completa. Os calçadistas vivem em pé de guerra com os argentinos, que querem restrições voluntárias das exportações brasileiras. O setor de calçados foi um dos que enfrentaram uma fase de adaptação no início do bloco. Ao invés de zerarem de imediato, as tarifas caíram gradativamente entre 1994 e 1998. Mesmo assim, as exportações brasileiras para a Argentina explodiram, registrando 368% de aumento no período. O país passou de oitavo para terceiro destino dos embarques. Com a crise, despencou, ocupando a sétima posição em 2002, mas recuperou o posto de terceiro colocado entre janeiro e outubro de 2004, comprando US$ 90,3 milhões. Os Estados Unidos são hoje o principal mercado da indústria brasileira de máquinas e equipamentos, que direcionou ao país 27% de suas exportações, ou US$ 1,4 bilhão, de janeiro a outubro. A Argentina ocupa a segunda posição, com 12% de market share ou US$ 655 milhões. Em 1997, essa participação chegava a 27%, ou US$ 827 milhões, e a Argentina tinha o posto de destino número um das exportações brasileiras. Newton de Melo, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), atribui a mudança à crise atravessada pela Argentina e à desvalorização cambial no Brasil. Em 1998, com o Plano Real em vigor, as máquinas brasileiras eram pouco competitivas nos Estados Unidos. Mesmo com a recuperação da economia na Argentina, as indústrias brasileiras não devem abandonar suas fatias no mercado americano. "Os EUA são o maior mercado para máquinas e equipamentos do mundo", diz Mello. Ele ressalta, porém, que o setor não se descuidará do mercado argentino. Até setores tradicionalmente importadores enxergaram no Mercosul uma oportunidade de exportar. É o caso da indústria química. Segundo Guilherme Duque Estrada, vice-presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), o Mercosul é hoje o principal destino das exportações de produtos químicos do Brasil, absorvendo 27% dos embarques. As exportações do setor para a Argentina saltaram de US$ 576 milhões em 1994 para US$ 1,05 bilhão em 2003, e devem atingir US$ 1,35 bilhão neste ano. O executivo vê com preocupação as dificuldades estruturais do bloco e as propostas de outros segmentos da indústria de transformar o bloco de união aduaneira em área de livre comércio. "Se isso ocorrer, os outros países irão zerar as tarifas dos produtos que não produzem e nós perderemos espaço", alerta. A perda de participação da Argentina nas exportações brasileiras não significa que o Mercosul perdeu relevância para a maioria dos exportadores brasileiros de manufaturados. Mesmo o setor têxtil, um dos mais ambiciosos na busca de acordos bilaterais, reconhece a importância do bloco. "A realidade é que o Mercosul é a única grande região do mundo com a qual o Brasil negociou uma zona de livre comércio", diz Domingos Mosca, diretor da área de relações internacionais da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).