Título: México se prepara para discutir monopólio estatal do petróleo
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2006, Internacional, p. A9

O México se prepara para enfrentar mais uma vez um dos maiores tabus da política nacional, o monopólio estatal sobre a exploração de petróleo. O assunto foi tratado com extrema cautela na campanha eleitoral dos últimos meses, mas tornou-se incontornável e ganhou lugar cativo no topo das preocupações que aguardam o próximo presidente mexicano.

Muito do que vai acontecer dependerá do resultado de ontem, que só seria conhecido no fim da noite, depois do fechamento desta edição. Essa é uma discussão que interessa diretamente aos brasileiros, por causa das oportunidades que poderá criar para empresas como a Petrobras numa região que há muito tempo é alvo da cobiça dos investidores estrangeiros.

Embora o México seja o quinto maior produtor de petróleo do planeta, seu futuro nessa área é sombrio. O país tem reservas de 13,7 bilhões de barris, mas essa riqueza está se esvaindo aceleradamente com a incapacidade da estatal mexicana, a Pemex, de explorar novos reservatórios. As reservas do México representam hoje metade do que eram no fim dos anos 90.

O governo controla a exploração de petróleo e impede a entrada de estrangeiros desde a década de 30, quando a indústria foi nacionalizada. A proteção às riquezas no subsolo mexicano é assegurada por uma cláusula inscrita na Constituição do país em 1917. Houve tentativas de modernizar a legislação que regula o monopólio da Pemex nos últimos anos, mas todas foram barradas pelo Congresso.

Além de símbolo da soberania nacional, a empresa é fonte de quase 40% das receitas do governo e um balcão de empregos com 140 mil pessoas na folha de pagamento. Sua administração, definida por um conselho formado por representantes dos trabalhadores e burocratas de seis ministérios, é outro entrave às mudanças.

Na campanha presidencial deste ano, quem foi mais fundo no tema foi Roberto Madrazo, o candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Sua plataforma defendia a substituição dos burocratas por gente do ramo, pedia autonomia para a empresa e sugeria a busca de "mecanismos para realizar alianças estratégicas" com empresas estrangeiras que possam ajudar a Pemex a conseguir a tecnologia e os recursos necessários para explorar suas reservas.

Linguagem semelhante foi empregada pelo candidato governista, Felipe Calderón, do Partido Ação Nacional (PAN). Mas nenhum dos dois entrou em detalhes, e na reta final Calderón fez questão de dizer que futuros investimentos no setor seriam feitos apenas pela Pemex, ainda que a estatal fosse liberada para buscar associação com outras empresas.

É fácil entender a hesitação. "Ninguém ganha votos no México falando de reformas no setor de energia", diz George Baker, diretor da consultoria americana Energia, que acompanha o setor na América Latina. Mas as posições de Madrazo e Calderón sugerem que algo começa a se mover. E mesmo que os dois sejam derrotados, seus partidos continuarão dando as cartas no Congresso mexicano.

O esquerdista Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), revelou-se o mais resistente à idéia de reformas nessa área. Ele defende o fortalecimento da Pemex e a ampliação dos investimentos estatais sem ajuda de fora. Mas, se o favoritismo apontado pelas pesquisas tiver se confirmado ontem e Obrador estiver eleito, pode ser somente uma questão de tempo até ele perceber a gravidade do caso.

Os poços da Pemex estão começando a secar e ela não tem a tecnologia necessária para explorar áreas no Golfo do México em que o petróleo se esconde mais de dois quilômetros abaixo da superfície do mar. Empresas capazes de lidar com o problema, como a Petrobras, a norueguesa Statoil e a britânica BP, só entrariam em ação se tivessem controle sobre as reservas encontradas, o que a legislação mexicana impede que ocorra.

Por ser brasileira e estatal, a Petrobras pode ter alguma vantagem nesse jogo. "Seria mais viável politicamente para os mexicanos uma parceria com a Petrobras do que com outros grupos estrangeiros", diz a cientista política Pamela Starr, do Eurasia Group, consultoria baseada em Nova York. É apenas uma especulação a esta altura do campeonato, mas a empresa já começou a pensar a sério nisso.

A Petrobras abriu escritório no México há dois anos e tem contratos com a Pemex para explorar duas jazidas de gás natural no país, aproveitando uma brecha legal que autoriza esse tipo de prestação de serviços desde que a Pemex mantenha o controle sobre as reservas. Os contratos ajudam a Petrobras a estabelecer relações com o governo e a se preparar para o dia em que as coisas mudarem.