Título: "Modelo brasileiro deve abraçar o emprendedorismo"
Autor: Stela Campos
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2006, Eu &, p. D6

Empresários de todo o mundo já perceberam que para manter a competitividade hoje precisam de um efetivo diferenciado. Para isso, contratam pessoas com potencial e trabalham em seu desenvolvimento. Alguns, entretanto, estão indo além. Eles se deram conta de que ajudar na educação de seu país, em todos os níveis, significa beneficiar não só a renda nacional, a estabilidade política e social, mas ter uma população mais apta para atuar em diferentes níveis da organização. Para o professor de economia da Universidade de Harvard, Edward Glaeser, esta relação é simples e tangível. "Para cada ano de educação, a renda individual cresce 8% e a dos países sobe em média 40% ", diz. Para ele, o investimento na educação exerce um forte impacto na economia, principalmente, para a iniciativa privada. Glaeser tem PhD pela Universidade de Chicago e é especialista em economia urbana. Tem dezenas de estudos publicados, um deles ("Why democracy needs education") fala sobre a importância da educação na manutenção dos sistemas de governos democráticos.

Glaeser esteve no Brasil semana passada, para proferir uma palestra na conferência "Ações de Responsabilidade Social em Educação - Melhores Práticas na América Latina", que reuniu na mais de 100 empresários do Brasil e especialistas da América Latina na Bahia. Na ocasião, concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor, na qual ressaltou a importância da parceria entre a iniciativa privada e o governo na área de educação em países em desenvolvimento. Ele credita boa parte do sucesso da China a um maior empenho do país na área educacional. Diz ainda que o exemplo não serve para o Brasil, pois aqui temos condições de fazer um modelo de cooperação mais livre, com menos imposições vindas de cima para baixo. A seguir alguns trechos da entrevista:

Valor: O sr. acredita que hoje existe uma preocupação maior com a educação por parte da inciativa privada no mundo?

Edward Glaeser: Eu penso que, universalmente, o mundo encarou a mudança da produtividade das pessoas baseada na força física para a baseada nas habilidades. Vivemos num ambiente interativo onde o capital humano tornou-se muito importante. Pessoas em todos os lugares entendem que ter trabalhadores habilidosos é absolutamente crítico para poder competir. Quando você encara lugares onde existem mentalidades brutas, que não se desenvolveram, isso gera um tipo de esperteza por parte dos líderes de negócios. Eles parecem incrivelmente atraídos pela idéia de sair por aí e contratar uma pessoa bruta mas esperta, pensando que poderão de fato trabalhar essa mentalidade e torna-la mais eficiente e produtiva, visando um retorno financeiro com isso.

Valor: Que tipo de retorno pode se esperar de investimentos em educação nos países em desenvolvimento?

Glaeser: Existem vários estudos que mostram que para os trabalhadores, os salários sobem para cada ano extra de educação. O número nos EUA parece estar entre 6% ou 7% , o percentual em países em desenvolvimento geralmente está entre 10% e 20%. Eu penso que existem quatro aspectos importantes nos quais a educação pode influenciar. Individualmente os trabalhadores se tornam mais produtivos. Isso faz com que toda a sociedade se torne mais produtiva. As habilidades do trabalhador não são uma máquina privada, o que eles têm são ferramentas para interação. Por isso, lendo e escrevendo eles se tornam mais efetivos no uso do computador, por exemplo. Existe uma série de habilidades interativas que somadas fazem com que o indivíduo produza mais em diferentes aspectos. Outro efeito é sobre o manejo dos problemas sociais como o crime e as altas taxas de mortalidade. Isto pode ser feito através da educação e da recomposição de sua força política. De fato, parece ser muito importante para o sucesso da democracia que a população seja educada. Os negócios têm muito a perder se os países não fizerem a transição para a democracia. E, para que ela permaneça estável é preciso que haja um forte suporte na área de educação.

Valor: O sr. acha que a educação tem um impacto maior na questão política ou econômica?

Glaeser: Pela minha perspectiva, três aspectos estão claros. Um caminho para pensar sobre isso é que a renda individual cresce 8% para cada ano de educação e a renda dos países sobe 40% . Se você acredita nesse número, e eu acredito, o efeito na renda nacional é mais forte do que na individual. E a renda nacional inclui fatores externos relacionados ao capital humano, além dos efeitos sociais e políticos. Eu penso que esses efeitos são maiores no retorno para o setor privado. Existem muitos países e empresas que levam a educação a sério e a tratam como a coisa mais importante que o governo precisa fazer.

Valor: Que saídas o sr. vê para a melhoria do ensino nos países da América Latina, incluindo o Brasil?

Glaeser: O número de pessoas aqui que estão apaixonadas para melhorar a educação no Brasil é muito bom e isso irá afetar quem está embaixo. Melhorando a educação, o país ficará mais estável e terá uma conjunto mais notável de pessoas. O governo tem um grande papel nisso mas não pode fazer sozinho. A tragédia está sempre nos países menos educados onde os governos são menos efetivos. Para líderes do setor privado dar um suporte à escolaridade significa complementar o trabalho do governo.

Valor: Como o setor privado pode medir seu retorno no investimento feito em educação?

Glaeser: Nos EUA, a história da educação é muito particular. Você vê muito envolvimento do setor privado mas geralmente ele é motivado pelo abastecimento local. O movimento "high school", por exemplo, começou em Iowa onde você tem a maior parte da boa agricultura do país. As indústrias empurram fortemente a educação porque realmente pensam que se fizer os trabalhadores mais educados também os fará mais produtivos. No Vale do Silício, por exemplo, nos últimos 25 anos, muitas companhias de biotecnologia criaram uma relação muito próxima com lugares como Stanford, onde eles contratam a maioria dos trabalhadores. Mas existe ajuda também para os colégios técnicos da região. Porque isso ajudará a produtividade dos trabalhadores de habilidades medianas ficar mais efetiva. Então eu penso que os EUA estão no caminho certo. É possível fazer muito mais, mas o que está acontecendo já é bom.

Valor: O sucesso da China, na sua opinião, está relacionado com o aumento da preocupação com a educação no país?

Glaeser: Certamente o sucesso da China está relacionado com o o crescimento da educação no país. Lá hoje existem várias universidades importantes. Eu acho que a coisa mais simples e notável que aconteceu na China é que eles investiram no sistema de educação. Certamente esta é a chave para o seu sucesso.

Valor: Serve de exemplo para a América Latina, para o Brasil?

Glaeser: Não. É um exemplo na medida em que a educação deu certo. Mas foram preciso várias tentativas até ela dar certo. A cultura da revolução era ruim em relação à educação, foi incrivelmente desastrosa. Era uma coisa que vinha de cima para baixo. Então as coisas caminhavam bem quando as pessoas do topo eram boas e eram péssimas quando elas eram ruins. Eu penso que o modelo brasileiro deveria ser como estamos vendo nesta conferência. Ele deve envolver o diálogo e a parceria entre o governo e o setor privado, abraçando a questão da competição e do empreendedorismo. E ser mais livre. Assim ele não será uma coisa que vem do topo pata baixo.