Título: Africanos preparam protesto contra a suspensão da rodada
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Brasil, p. A4
Uma cena insólita aconteceu quando as negociações globais de comércio foram bloqueadas em 2003 em Cancún (México): delegados de países africanos e de organizações não-governamentais caíram na dança comemorando o desastre. Hoje, quando o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, anunciar oficialmente aos 149 países a suspensão por prazo indefinido da Rodada Doha, as nações mais pobres tomarão atitude bem diferente: vão protestar com veemência.
O grupo africano, com cerca de 40 países, denunciará que não foi consultado, não é responsável pelo fiasco e se sente "pego como refém" dos dois elefantes do comércio mundial, os Estados Unidos e a União Européia.
"Essa suspensão é um desastre para os países pobres", lamenta o embaixador do Benin, Samuel Amehou, um dos líderes do grupo. Primeiro, pode desaparecer o "pacote de desenvolvimento", pelo qual as nações ricas, e emergentes como o Brasil em menor proporção, se comprometiam a dar livre acesso a seus mercados para quase todos os produtos exportados pelos mais pobres. Uma ajuda para se adaptarem à liberalização também não vai sair.
Além disso, a comunidade internacional perde a opção diplomática para influenciar, pela negociação, as reformas na lei agrícola dos EUA e na Política Agrícola Comum da UE. Igualmente, a esperada propagação de acordos bilaterais pode deixar de fora os africanos, que representam apenas 2,6% do comércio mundial.
O que vai acontecer hoje na OMC é apenas a formalização do que foi decidido na segunda-feira. Na ocasião, Lamy constatou a que ponto o ambiente era grave: "O sentimento de frustração, de lamento e de impaciência foi exprimido unanimemente pelos países em desenvolvimento", contou. "A mensagem foi alta e forte como eu jamais ouvi na minha vida de negociador comercial."
Dessa vez, as ONGs estão divididas sobre o colapso da rodada. Várias delas vão comemorar com um "funeral fluvial" da rodada, hoje, no lago de Genebra. Mas a ONG mais respeitada e influente na área comercial, a britânica Oxfam, está do lado dos africanos no temor de que regras comerciais injustas e políticas comerciais nocivas dos EUA e da UE vão se intensificar com o colapso de Doha.
A esperança de Celine Charveriat, da Oxfam, é que as políticas agrícolas americana e européia estão agora desacreditadas e é amplamente reconhecida a necessidade de serem reformadas. "A rodada abriu os olhos das pessoas ao fato de que o comércio mundial pode ajudar milhões de agricultores e trabalhadores pobres, mas que as políticas agrícolas dos países ricos trabalham diretamente contra isso."
O risco de mais disputas comerciais está aberto, ainda mais que os EUA e a UE estão violando as regras da OMC, diz a Oxfam. A entidade calcula que as duas potências dão mais de US$ 13 bilhões de subsídios ilegais por ano.
Peter Mandelson, comissário de comércio da UE, foi o único até agora a propor que sejam poupados do colapso tanto o "pacote do desenvolvimento" como progressos já feitos em áreas como facilitação de comércio, para reduzir burocracia nas alfândegas.
No entanto, a idéia de continuar discutindo facilitação de comércio foi rejeitada ontem por 38 países, incluindo os EUA, sob o argumento de que a suspensão foi para todos os temas. O Brasil não se manifestou.