Título: Negociadora dos EUA acena com renovação do "fast track"
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Brasil, p. A4
O governo dos Estados Unidos emitiu ontem sinais de que vai se esforçar nos próximos meses para criar condições que permitam a retomada das negociações da Rodada Doha de liberalização comercial, suspensas no início da semana após cinco anos de discussões entre os países que integram a Organização Mundial do Comércio (OMC). A representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, que viaja amanhã para o Brasil e terá no sábado um encontro com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que é cedo para decretar o fim das negociações. "A rodada está com problemas sérios, mas não temos nenhuma intenção de abandoná-la ou enterrá-la antes da hora."
Em entrevista a um grupo de jornalistas americanos e brasileiros, ela acenou com a possibilidade de renovação da autorização legislativa especial que dá ao presidente George W. Bush o poder de negociar acordos comerciais sem o risco de vê-los desfigurados mais tarde pelo Congresso. Essa autorização expira em julho do ano que vem.
Sem a perspectiva de que ela seja renovada depois disso, será praticamente impossível retomar as discussões na OMC, porque qualquer acordo ficaria sujeito a sofrer modificações depois no Congresso americano. A hipótese de prorrogação desse mecanismo sempre foi considerada pelo governo como algo inviável, mas ontem Schwab admitiu pela primeira vez a possibilidade de buscar esse caminho.
"Ninguém pode prever o que o Congresso fará", disse ela. "Mas se retomarmos as negociações da rodada e alcançarmos um pacote atraente até meados do primeiro semestre do ano que vem, poderíamos obter uma reação positiva do Congresso." Ela disse que começaria a discutir ontem mesmo essa possibilidade com assessores jurídicos.
A idéia também passou a ser cogitada no setor privado. "Começamos a examinar a viabilidade de um esforço para pressionar o Congresso no ano que vem", disse ao Valor John Murphy, da divisão de assuntos internacionais da Câmara de Comércio dos EUA. "Não temos muita escolha se quisermos ver a retomada das negociações da Rodada Doha."
Depois da última vez em que a autorização especial do Congresso venceu, em 1994, foi preciso esperar oito anos para obter sua renovação, em 2002. Agora há um complicador. Haverá eleições para o Congresso em novembro e existe a possibilidade de que Bush e o Partido Republicano percam o controle do Legislativo para o Partido Democrata, onde é bem maior a resistência a acordos comerciais.
A renovação da autorização especial do Congresso poderia dar mais tempo para os negociadores discutirem as diferenças que até aqui impediram um acordo na OMC. Mas provavelmente também haveria novas condições que poderiam amarrar ainda mais as mãos dos negociadores dos EUA.
Na entrevista de ontem, Susan Schwab descartou a possibilidade de negociar com o Brasil um acordo comercial bilateral nos moldes dos tratados que os americanos assinaram com outros países nos últimos anos. "Nem o Brasil nem os EUA vão desistir das negociações multilaterais e só buscaríamos esse caminho se desistíssemos da Rodada Doha."
O Brasil só poderia iniciar uma negociação desse tipo se tivesse a concordância de seus sócios no Mercosul, onde acabou de entrar um inimigo declarado dos Estados Unidos, a Venezuela. Schwab evitou discutir esse aspecto do problema, mas disse que os EUA estão "abertos" para negociações individuais com qualquer um dos sócios do bloco. Há uma semana o Uruguai pediu formalmente aos outros membros do Mercosul autorização para negociar com os EUA.
Desde a chegada de Bush ao poder, os americanos fecharam 15 acordos comerciais bilaterais, incluindo tratados com o Chile e o Peru. Seis deles ainda dependem de aprovação legislativa. Outros 11 estão em negociação. Alguns desses acordos afetam o Brasil diretamente porque diminuem o mercado para produtos brasileiros em países vizinhos.