Título: Dinheiro traz felicidade?
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 26/08/2010, Brasil, p. 12

Ministério da Saúde anuncia pacote de investimentos no valor de quase meio bilhão de reais no atendimento da doença pelo SUS. Especialistas, porém, ressaltam que foco na prevençãoé mais importante

Nove procedimentos para o tratamento de câncer foram incluídos na cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS) e outros 66 tiveram o valor de tabela reajustados.

É a primeira vez em mais de 10 anos que oMinistério da Saúde atualiza o valor repassado às instituições de saúde para o tratamento de pacientes com câncer fora do sistema público.

As portarias assinadas nesta terçafeira pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, também disponibilizam R$ 412 milhões na reestruturação da assistência oncológica do SUS.

O pacote de investimentos anunciado pelo governo foi elogiado pelos especialistas ouvidos pelo Correio, mas com uma ressalva importante: o país peca em não investir em prevenção, que é a chave para enfrentar doenças como o câncer.

Segundo o chefe do departamento de oncologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Murilo Buso, a maior parte desses recursos aprovados peloMinistério será destinada a tratamentos paliativos. O sistema como um todo deveria ser reorganizado, para que o doente consiga canais de prioridade e diagnósticos mais precisos, sugere.Dessa forma, os índices de cura seriam melhores e os gastos públicos, menores. Esses tratamentos são importantes, dão sobrevida e melhor qualidade de vida, mas poucas pessoas vão ser efetivamente curadas. Entre os novos procedimentos incluídos na cobertura do SUS está o tratamento local de câncer de fígado. Esse câncer pode ser tratado de forma diferenciada, sem uso de quimio ou radioterapia. No tratamento mais moderno, é injetado o medicamento diretamente no local afetado, explica Buso. Com a incorporação de metodologias mais novas como essa, será possível tratar um pouco melhor mais pacientes, diz. Mas, de acordo com o especialista, a maioria dos casos de câncer são diagnosticados tardiamente no Brasil, em fases avançadas. E quanto mais cedo ocorre o diagnóstico, maiores as chances de cura. O tempo entre o primeiro sintoma e o diagnóstico, e também do diagnóstico até o tratamento, precisa ser encurtado, destaca. Para o profissional, há a necessidade de maior investimento na capacitação dos médicos para que os diagnósticos sejam descobertos mais precocemente.

Brígida Santos, 64 anos, eElizabeth Lima, 73 anos, vieram da Bahia para receber tratamento no Hospital de Base de Brasília. As duas passaramporumalonga jornada até receberem a confirmação do diagnóstico. Brígida, que sofre de câncer de colo do útero, poderia ter sido diagnosticada precocemente se o serviço de prevenção no município onde morava fosse eficiente. Os primeiros sintomas podem ser detectados em exames ginecológicos de rotina, explica Buso. Já Elizabeth foi operada para a retirada de tumores no intestino no dia seguinte ao diagnóstico, mas depois de meses sem acompanhamento, surgiu outro tumor, no fígado.

O gerente de câncer da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Arturo Otaño, explica que a sociedade médica do país luta há anos pela incorporação de novos tratamentosnoSUS.Nos12anos que a tabela de procedimentos de tratamentos oncológicos ficou sem reajuste, foram criadas diversas drogas novas com melhores resultados no combate ao câncer. E écomumque esses medicamentos tenham o custo mais elevado. A tabela do SUS não estabelece as drogas a serem usadas, mas define umvalor fixo a ser repassado. Cabe aos serviços credenciados escolher o tratamento adequado e arcar financeiramente, já que o valor que será repassado é o mesmo, explica Murilo Buso.

R$ 412,7 MILHÕES

O valor dos recursos anunciados para investimento na assistência aos pacientes eleva o gasto total do Ministério no combate ao câncer para R$ 2 bilhões.

Tabela defasada

Palavra de especialista

A tabela do Sistema Único de Saúde foi elaborada na década de 1990 e, desde então, não havia sofrido nenhum reajuste. Enquanto isso, nos últimos anos, as tecnologias para o tratamento de câncer evoluíram muito.O que é muito bom porque aumentam as chances de cura e melhora a qualidade de vida dos pacientes.Mas, por outro lado, agrega custos muito mais elevados do que as terapias mais antigas.Por exemplo, a tabela anterior era baseada num tratamento quimioterápico dado por via oral, desenvolvido na década de 1960.Há mais de dez anos utilizamosumoutro tipo de medicamento, dado por via endovenosa, que tem eficácia dez vezes melhor,mas também é dez vezes mais caro.Esse reajuste vemtrazer adequação aos custos que já eram praticados nos últimos anos.No DF, os pacientes Elizabeth veio da Bahia para se tratar no DF: operação para a retirada de tumores, mas surgimento de novo foco Adauto Cruz/CB/D.A Press com câncer são tratados pelo sistemapúblico de Saúde,mas emoutros estados écomumque esses pacientes do SUS sejam tratados por instituições privadas ou mistas, comoas Santas Casas. Essas instituições não tinham como sustentar tratamentosmodernos, baseados numatabela de remuneração defasada.

Os reajustes vão permitir que mais pessoas tenham acesso a tratamentos mais modernos."

Jorge Vaz é onco-hematologista do Hospital de Base de Brasília