Título: Empresas contestam atos da Receita
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Legislação &, p. E1

Os atos declaratórios interpretativos (ADIs) da Receita Federal têm gerado um incômodo jurídico e administrativo para as empresas. As disposições mudam a contabilização de impostos que até então eram tratados como benefícios fiscais e com isso elas passam a ser alvo das fiscalizações e autuações. O resultado é uma busca de liminares na Justiça com a alegação de que o fisco tem mudado sua própria posição e que eles, contribuintes, não devem pagar por isso. Já a Receita diz que não tem feito nada mais do que esclarecer regras e que não mudou interpretações.

A disputa mais recente ainda está para começar. Os advogados já estão com mandados de segurança prontos para serem ajuizados na Justiça reivindicando o crédito de IPI para empresas imunes - crédito este, que segundo o ADI nº 05, de abril deste ano, só é válido para a produção industrial que é exportada. O advogado Eduardo Fleury, do escritório Monteiro, Neves e Fleury, diz que o problema é que a Instrução Normativa nº 33, de 1999 - que regulamentava a lei que concedia crédito de IPI - dizia em seu artigo 4º que o benefício poderia ser aproveitado na industrialização de produtos "inclusive imunes, isentos ou tributados à alíquota zero". A instrução nunca deixou, segundo Fleury, qualquer dúvida de que toda produção industrializada, imune, poderia se beneficiar. "Mas veio o ADI nº 05 dizer que a regra valeria apenas para produtos exportados", diz. Com isso muitas empresas ligada à produção de papel já se preparam para buscar liminares preventivas.

O fisco, entretanto, entende que nunca mudou de interpretação. O coordenador de tributos sobre a produção e comércio exterior da Receita, Helder Silva Chaves, diz que, no caso da ADI nº 05, a instrução normativa não poderia ir além do que dizia a lei e estaria fazendo isso se aceitasse que todos os produtos imunes fossem enquadrados para obter o benefício. Chaves diz que o benefício só é concedido para produtos com imunidade condicionada. Isso aconteceria com os que são exportados, porque eles só ganham a imunidade na exportação - no mercado interno não são imunes. Já a produção de papel, imune do IPI para livros, revistas e jornais, não é contribuinte desse imposto, e portanto não pode ter créditos.

As primeiras ações sobre o tema ainda estão no forno, mas outras já foram adiante e já há até sentenças como as que questionam a cobrança de PIS/Cofins para a receita dos hospitais com a venda de remédios (veja matéria abaixo). O advogado Vinícius Branco, do escritório Levy & Salomão, diz que os contribuintes, em alguns casos, não podem pagar por novas interpretações do fisco porque foram induzidos a erro, ou seja, recolheram os tributos conforme a própria Receita havia instruído. Já a Receita alega que muitas vezes o contribuinte fez sua interpretação errônea e muitas vezes o ato interpretativo só esclarece dúvidas.

Luiz Felipe Ferraz, do Demarest e Almeida, diz que o problema das ADIs que mudam interpretações é que elas retroagem à data da lei. Apesar de o Código Tributário Nacional (CTN) prever que nesses casos o contribuinte não precisa pagar juros e multas nas autuações, os fiscais podem entender que não era um simples caso de interpretação - e aí o caso vai parar na esfera administrativa. Há ainda os casos que provocam um verdadeiro vaivém de liminares na Justiça.

As empresas do setor alimentício ou que compram insumos do setor agropecuário foram à Justiça no início do ano contra o ADI nº 15, de dezembro de 2005, que determinava que as empresas que possuem crédito presumido, benefício concedido depois da entrada em vigor da não-cumulatividade do PIS e da Cofins, não poderiam compensar esse crédito com outros tributos que não o próprio PIS/Cofins. O advogado Wilson Alves Polônio, da WAP Consultoria, conta que conseguiu liminares que permitiam a seus clientes compensar os créditos com outros tributos. Mas em abril a Receita editou a Instrução Normativa nº 636, que dispunha sobre o mesmo assunto. Novas liminares tiveram que ser pedidas, pois os juízes entendiam que, por se tratarem de normas diferentes, precisavam ter ações diferentes. Nesta semana, a 636 foi revogada pela 660, que dispõe sobre o mesmo assunto. "Isso significa que teremos que pedir novas liminares", diz Polônio.