Título: Riscos no oceano
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2011, Especial, p. H1

Ao trocar o gado pelo peixe, o paulista Aniceto Wanderley, dono da Fazenda Paraíso de Deus e outras quatro propriedades em Roraima, apostou no apelo ambiental e multiplicou o lucro. Tambaquis, matrinxãs e pirarucus criados em cativeiro produzem cem vezes mais carne por hectare e rendem financeiramente o dobro dos bois. "A atividade aproveita a riqueza da biodiversidade e gera renda sem pressão sobre a floresta", diz o empresário. Ele planeja produzir 4 mil toneladas em 2012, até para o mercado externo, e investir em frigorífico e centro de tecnologia para a melhoria genética do pescado. "Em área equivalente a um campo de futebol, a rentabilidade mensal da produção familiar é de no mínimo dois salários mínimos, pode ser combinada ao extrativismo florestal e fixa o homem à terra", justifica.

A iniciativa na Amazônia tem conexões com o oceano. ""A aquicultura é vista globalmente como importante fonte para o suprimento alimentar nas próximas décadas, sem aumento expressivo da captura nos mares, e o Brasil tem vantagens competitivas neste campo", aponta Felipe Matias, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Em águas brasileiras como internacionais, o aumento de consumo com contínua redução dos estoques preocupa. Dados do Global Ocean Economics Project, do Reino Unido, indicam que um terço das espécies marinhas comerciais é explorado além dos limites sustentáveis.

O tema será debatido em 2012 na Rio+20, conferência da ONU que apontará os rumos da economia" verde. Relatório do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas mostra a necessidade de US$ 110 bilhões para a sustentabilidade da pesca, com criação de reservas marinhas e redução de frotas de barcos. Com base em projeções da Food and Agriculture Organization (FAO), a produção em cativeiro atende metade do consumo global de pescado (17,2 kg por habitante/ano), num mercado de US$ 100 bilhões.

A participação brasileira é acanhada. Em 2011, o país produziu 500 mil toneladas em tanques de criação, ante os 3 milhões de toneladas da Índia e os 30 milhões de toneladas da China. "Temos potencial para chegar a 10 milhões de toneladas, estando entre os cinco maiores produtores mundiais, mas é preciso avançar na política que começa a ser desenhada para atrair "investimentos", ressalta Matias. Ele informa que o uso de reservatórios de domínio do governo, como açudes para abastecimento de água e lagos de hidrelétricas, objeto de recente regulamentação, mudará a escala dos números. Dos 26 reservatórios avaliados, de um total de 216, só seis produzem. Além dessas áraes, o governo conta com a exploração dos apicuns-zonas adjacentes aos manguezais sob proteção que o novo Código Florestal propõe abrir ao uso econômico.

A expansão, admite Matias, esbarra no licenciamento an1biental. "Além de poluir efluentes e desmatar manguezais, há o risco da invasão por espécies de outras regiões", adverte Roberto Galucci, do Ministério do Meio Ambiente. O tucunaré, da Amazônia, por exemplo, habita hoje até açudes do sertão nordestino. Enquanto a criação em cativeiro não deslancha, cerca de dois terços da produção pesqueira nacional é obtida no oceano. "Desses recursos

(50 espécies), 80% são explorados além da capacidade de renovação dos estoques", diz Galucci.

Uma ameaça é a "pesca de emalhe", que utiliza extensas redes. Em Santa Catarina, a prática é associada ã redução de 30% da população de toninhas, golfinho típico da região, e motivou ação judicial do Ministério Público Federal contra a suspensão das regras de controle pelo governo. "No mundo inteiro, a pesca é a única atividade industrial que explora diretamente animais silvestres", afirma a procuradora da República Anelise Becker, sediada em Rio Grande (RS).

"A atividade pesqueira envolve problema de ordenamento e gestão", destaca Anelise. Ela lembra que o trabalho conjunto entre os Ministérios da Pesca e do Meio Ambiente, previsto pela Lei 11.959/2009, implica conflitos entre interesses econômicos e precaução no uso dos recursos. Em 2010, foram movidas 40 ações civis públicas contra a pesca de espécies ameaçadas de extinção e uso de redes de arrasto sem licença e em local proibido.

"O problema é a pesca exagerada em áreas já muito exploradas", declarti Eloy Araújo, secretário de planejamento do MPA. Para o ordenamento, o governo já está rastreando por satélite barcos de mais de 10 metros que pescam lagosta. "A recuperação de estoques de sardinha prova que controlar dá resultado", diz Araújo. De 1997 a 2000, a captura dessa espécie diminuir de 117 mil para 17 mil t/ano. Em 2010, foram 58 mil toneladas, representando U$ 30 milhões em exportações.

"De que adianta termos 8 mil km de litoral se não temos frota pesqueira", completa o secretário. "Barcos modernos evitam perdas que hoje atingem 30% da produção entre o mar e o porto", opina Antônio Carlos Conquista, secretário de infraestrutura do MPA. Até 2014, o plano é financiar 60 novos barcos e fomentar a cadeia produtiva com mais frigoríficos e terminais pesqueiros. O Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), que até setembro desembolsou R$ 10 milhões para pesca e aqüicultura, avalia o setor para aumentar a escala doc redito. "A questão ambiental certamente é um dos gargalos", revela Jaldir Freire, responsável pelo setor de agroindústria.