Título: PT e presidente Lula trocaram de eleitor
Autor: Maria Inês Nassif
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Política, p. A6

Três anos e meio no poder e a exposição pública das mazelas internas, além de um longo processo que precedeu a vitória eleitoral de 2002 e fortaleceu a burocracia partidária em detrimento da militância, pode ter mudado radicalmente o perfil do voto dado ao PT - como, de resto, o perfil do eleitor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição pelo partido. Lula é ainda o favorito nas pesquisas, mas o seu eleitor é, fundamentalmente, o de baixa renda, favorecido pelos programas sociais do governo petista e que deseja a continuidade. A troca do eleitor mais informado e politizado pelos mais pobres mais que compensou os votos perdidos e Lula tem todas as chances de conquistar mais um mandato. No caso do PT, todavia, não existem sinais de uma "troca" compensadora de eleitores.

O partido continua, nas pesquisas, como o preferido dos eleitores - num país onde a política é mais personalista do que partidária essa ainda é uma vantagem, mas os votos conferidos ao partido estão longe de garantir ao PT a mesma bancada de hoje. E o voto para os cargos legislativos está mais descolado da escolha presidencial do que nas eleições passadas: a escolha de Lula não é, obrigatoriamente, um voto petista; e se Lula compensou o desgaste dos escândalos com o acesso maior à população de baixa renda, não parece que o mesmo tenha ocorrido com o partido. O acesso do PT a esse eleitor pobre é duvidoso. E todo o desgaste sofrido com os escândalos do caixa dois recai sobre o voto de seu eleitor tradicional, mais politizado e ideologicamente afinado com o partido pré-poder. Existe ainda um outro eleitor do PT, que foi incorporado no decorrer do processo de "institucionalização" do partido e tem um perfil muito semelhante ao de qualquer partido tradicional: é o voto conferido a um determinado político, que atua preferencialmente numa área geográfica e faz um trabalho de atendimento a demandas diretas de eleitores. O PT, ao longo do processo de absorção da militância pela máquina partidária, passou a ter os "donos de redutos".

As listas de votação do PT para a Câmara dos Deputados indicam que o partido, estrategicamente, optou por investir no eleitor não politizado, com vínculos pessoais com candidatos, não os com vínculos orgânicos com o partido. Enquanto o PT adiava a investigação dos fatos que o envolveram na maior crise de sua história, mantinha os apontados como beneficiários do esquema na lista dos candidatos, além de outros sobre os quais recaem outras suspeitas. Em sua maioria, são parlamentares que têm redutos eleitorais ou capitalizam votos corporativos. Simultaneamente, o partido acionou as suas antigas bases sindicais e de militância social, num esforço voltado mais para a campanha presidencial do que para a disputa para o Legislativo.

Donos de redutos saíram fortalecidos Essa escolha pode reduzir o impacto dos escândalos que envolveram direção e parlamentares petistas sobre a sua bancada federal, mas ironicamente torna o partido refém da máquina que foi a responsável pela crise. Ela finaliza o processo de "institucionalização" partidária, conferindo grande poder àqueles que têm seus próprios redutos eleitorais e subordinando o partido a uma grande personalidade - que é o presidente Lula. Lula já foi o candidato do PT. Hoje o PT é o partido de Lula. Há uma diferença fundamental entre essas duas situações.

Agenda de desenvolvimento

Termina hoje o seminário internacional "Pobreza e desenvolvimento no contexto da globalização", promovido pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. O seminário aprovou o documento "Carta pelo Desenvolvimento", que nas próximas semanas será entregue a todos os candidatos a presidente da República, em que propõe um pacto nacional em torno de uma nova agenda de desenvolvimento, capaz de "superar o abismo que separa a liberdade civil e a igualdade econômica em nossa história".

O documento, o Centro Celso Furtado e as pessoas que se envolveram nesse projeto - Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Rosa Freire D'Aguiar Furtado e muitos outros - são parte do mesmo esforço para que o debate nacional saia do samba-de-uma-nota-só das receitas prontas do neoliberalismo, vá além da estabilidade econômica e pense o futuro. Fazem parte de uma maré intelectual contra-hegemônica que, no mínimo, torna o debate sobre o país muito mais interessante do que o imposto pelo mercado aos candidatos e aos governos. O desenvolvimentismo, condenado durante o período de hegemonia absoluta do pensamento neoliberal como teoria do "atraso", recoloca-se na agenda do país.