Título: Futuro do Mercosul divide especialistas
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2004, Brasil, p. A-4

A frustração do meio empresarial brasileiro com o Mercosul está alimentando o debate sobre qual é a melhor estratégia a ser seguida pelo bloco no futuro. Afinal, o Mercosul deve se consolidar como união aduaneira ou, face às dificuldades dos últimos anos, seria melhor se transformar em um acordo de livre comércio? O tema é polêmico e divide opiniões de diplomatas, empresários e especialistas em comércio exterior. Hoje, no Rio, o assunto será discutido na reunião do conselho superior da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). O presidente da Funcex, Roberto Giannetti da Fonseca, é um dos principais defensores da idéia de transformar o Mercosul em um projeto semelhante ao do Nafta (o Acordo de Livre Comércio da América do Norte), que permitiu ao México fechar cerca de 43 acordos comerciais na última década. "O Brasil não pode ficar de mãos amarradas tendo de negociar acordos comerciais em conjunto com os demais sócios do Mercosul", diz Giannetti. Ele defende abandonar o projeto da união aduaneira, medida que implicaria jogar por terra a Tarifa Externa Comum (TEC), aplicada sobre as importações de fora do bloco. Cada país do Mercosul também teria liberdade de negociar acordos comerciais de forma independente. O ex-embaixador do Brasil na Argentina, José Botafogo Gonçalves, discorda: "Não faz sentido para o exportador brasileiro abrir mão voluntariamente da proteção dada pela TEC." O diplomata, que preside o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), reconhece que o futuro do Mercosul é problemático e a superação dos problemas depende de um enfoque de desenvolvimento regional. "A decisão (de avançar) é política", resume. O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia avalia que a proposta de Giannetti não é a melhor, mas precisa ser considerada. Para Lampreia, a TEC já não funciona como proteção para os exportadores brasileiros, frente a concorrentes de outras regiões, porque a Argentina impõe uma série de barreiras, como cotas e medidas antidumping, sobre os produtos brasileiros, deixando a TEC sem efeito. Na visão de Giannetti está, sim, na hora de dar "um passo atrás" no Mercosul. Várias entidades de classe ligadas à exportação apóiam a idéia, entre os quais os calçadistas e os produtores de frango, mas não chega a haver consenso no setor industrial sobre o tema. "A maioria continua a avaliar que o melhor caminho ainda é a união aduaneira e não há interesse no retrocesso", contrapõe Lucia Maduro, da Unidade de Negociações Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI). "Estou totalmente de acordo com ele (Giannetti)", rebate o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Elcio Jacometti. A Argentina é o segundo maior mercado de exportação para os calçadistas brasileiros, depois dos Estados Unidos. Já Cláudio Martins, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Exportadores de Frango (Abef), considera a discussão saudável, mas reconhece que seria difícil mudar a legislação. A Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), fórum de consulta da indústria nas negociações externas, avalia que as restrições à livre circulação de bens impostas pela Argentina contribuíram para o descrédito do empresariado brasileiro com o Mercosul. Também pesou a falta de consenso no bloco nas negociações externas. A CEB não vê solução, a curto prazo, para as diferenças. O recrudescimento do protecionismo no Mercosul ocorre em um ano em que o Brasil baterá recorde de exportações para a Argentina. José Augusto de Castro, vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), estima que as exportações brasileiras para o mercado argentino devem ficar entre US$ 7,1 bilhões e US$ 7,2 bilhões neste ano, recorde absoluto desde 1997 (US$ 6,76 bilhões). Já as importações feitas pelo Brasil da Argentina devem ficar em cerca de US$ 5,5 bilhões, o que representará superávit superior a US$ 1,5 bilhão em 2004 para o Brasil. Lucia Maduro, da CNI, acrescenta que o país manteve sua fatia de mercado na Argentina, apesar das restrições unilaterais e das "perfurações" (descumprimentos) da TEC. Ela lembra que também não há unanimidade no meio industrial brasileiro em relação à aplicação de salvaguardas no Mercosul, tema que tem dominado os debates do bloco nas últimas semanas. Na última reunião que discutiu os rumos do Mercosul, a CEB sugeriu que, se as salvaguardas viessem a ser implementadas, deveria ser criado um sistema de supervisão de programas nacionais de reestruturação, dentro da Comissão de Comércio do Mercosul, para acompanhar o funcionamento do mecanismo.