Título: EUA dificultam compra de empresa no país
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Internacional, p. A10
O Congresso dos EUA começou ontem a introduzir mudanças significativas na maneira como o governo analisa aquisições de empresas americanas por grupos estrangeiros, um movimento que poderá tornar bem mais lento e burocrático o caminho que precisa ser atravessado por investidores interessados em negócios no país.
A iniciativa foi motivada pela crescente preocupação dos americanos com questões de segurança nacional e pelo desejo que o Congresso tem de interferir nas atividades do Comitê sobre Investimentos Estrangeiros nos EUA (Cfius, na sigla em inglês), um órgão governamental muito pouco conhecido que tem o poder de vetar grandes negócios e há tempos se acostumou a agir nas sombras .
A Câmara dos Deputados aprovou ontem projeto que abre caminho para investigações mais severas sempre que empresas estatais estrangeiras estiverem envolvidas e amplia os prazos para o comitê decidir, tornando obrigatório um período adicional de 45 dias de investigação mesmo em casos mais simples. O projeto foi aprovado por unanimidade com o voto de 424 dos 435 membros da casa.
Proposta semelhante foi aprovada pelo Senado por aclamação, sem a contagem de votos. Nos próximos meses haverá negociações para conciliá-lo com o projeto aprovado pela Câmara. Esse processo provavelmente será demorado pois o projeto do Senado é mais polêmico e tem enfrentado oposição no meio empresarial.
O Cfius existe desde 1975, mas só passou a receber atenção no início deste ano, após aprovar a aquisição de uma empresa que opera portos nos EUA e em outros países por uma companhia controlada pelo governo de Dubai, parte dos Emirados Árabes Unidos. Os políticos viram na nacionalidade dos novos donos uma ameaça à segurança do país e iniciaram uma campanha contra a transação.
A reação foi tão forte que obrigou a empresa a separar e colocar à venda a operação dos portos americanos. Não havia evidência de que eles tivessem sido entregues a organizações terroristas, mas muitos no Congresso tiveram a impressão de que o Cfius fora pouco rigoroso na avaliação do negócio. A controvérsia gerou um intenso debate sobre o comitê e mais de 20 projetos de lei propondo mudanças no seu funcionamento.
É cedo para saber quais mudanças prevalecerão, mas o resultado é previsível. "O processo de análise do comitê ficará certamente mais rigoroso e demorado, especialmente quando houver interesse de governos estrangeiros", disse ao Valor o advogado David Marchick, do escritório Covington & Burling, que assessorou a chinesa
O projeto do Senado obriga o Cfius a manter o Congresso informado sobre seus passos e a notificar os governadores dos Estados sempre que estiver analisando a compra de uma empresa no seu território, ampliando o poder dos políticos de brecar negócios que os desagradem. Outra proposta em discussão amplia de tal maneira o alcance das atividades do Cfius que até aquisições na indústria alimentícia poderiam ser vistas como ameaça à segurança nacional.
"A politização desse processo é ruim, mas o aumento na transparência das decisões do comitê pode ser positivo", disse ao Valor o economista Douglas Holtz-Eakin, especialista do Conselho de Relações Exteriores, centro de estudos baseado em Nova York. A legislação em vigor obriga o Cfius a entregar um relatório ao Congresso a cada quatro anos. Mas ninguém nunca cobrou e faz dez anos que o último relatório foi apresentado.
O comitê é formado por representantes de 12 agências do governo sob a liderança do Departamento do Tesouro. Desde 1988, ele analisou 1.593 operações. Apenas em 25 casos o órgão achou necessário conduzir investigações mais aprofundadas e somente 12 foram levados ao presidente da República, a quem cabe autorizar ou vetar transações julgadas delicadas.
Só se conhece um negócio que tenha sido expressamente vetado por orientação do Cfius, a compra de uma empresa na área de defesa por uma companhia chinesa em 1990. Mas houve pelo menos 13 situações em que empresas investigadas desistiram das aquisições que planejavam fazer depois de serem avisadas pelo comitê de que corriam o risco de sofrer um veto.
Com novas regras e mais supervisão do Congresso, será possível entender melhor os critérios adotados pelo Cfius e as razões que o levam a desconfiar de um negócio, o que reduziria a incerteza dos investidores. Mas especialistas temem que as mudanças também sirvam de pretexto para iniciativas de caráter nacionalista, inibindo a entrada de competidores estrangeiros no mercado americano.
Alguns se preocupam também com a possibilidade de que outros países adotem controles semelhantes. Pouco depois da polêmica em torno de Dubai, a China anunciou a criação de um comitê para analisar investimentos em setores estratégicos. "Os EUA não devem dar a outros países uma desculpa para usar a segurança nacional como pretexto para medidas protecionistas", disse Marchick.