Título: Divisor de águas?
Autor: Monteiro,Luciana
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2011, Imvestimentos, p. D1

O acordo firmado entre os líderes da zona do euro para estancar a crise da dívida soberana de alguns países da região pode ser um divisor de águas para as bolsas, especialmente a brasileira. Um senhor alívio tomou conta do mercado ontem após o anúncio de que os dirigentes europeus chegaram a um entendimento sobre um pacote de socorro para a Grécia. E a reação foi imediata: as bolsas subiram fortemente, diante da menor aversão ao risco dos aplicadores. A avaliação de muitos agora é de que o acordo pode destravar o mercado acionário brasileiro e abrir caminho para o tradicional rali de fim de ano.

Ontem, o Índice Bovespa chegou a subir 4,8% na máxima do dia e encerrou o pregão com valorização de 3,72%, aos 59.270 pontos - maior nível desde 26 de julho, quando fechou aos 59.339 pontos. O giro financeiro atingiu expressivos R$ 10,114 bilhões. Apenas a expectativa de que o acordo saísse do forno foi suficiente para acabar com o mau humor do mercado nas últimas semanas. Tanto que, no mês, até ontem, o Ibovespa acumula valorização de 13,27%, embora no ano a perda ainda seja de 14,48%. Se outubro tivesse acabado ontem, o Ibovespa teria apresentado seu melhor mês desde abril de 2009, quando subiu 15,55%.

Pelo acordo traçado, os credores dos papéis gregos aceitaram dar um desconto de 50% à dívida da Grécia. Além do pacote, um novo programa da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI), de até € 100 bilhões, será implementado até o fim do ano para os gregos. Foi criada ainda uma barreira de proteção anticontágio, com um acordo para multiplicar em até cinco vezes o poder financeiro do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) para socorrer países e bancos em dificuldade.

O anúncio pode servir como um gatilho, ainda que de curto prazo, para uma trajetória de alta da bolsa, avalia Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. "Os ativos estavam muito depreciados; o mercado precisava de uma notícia boa para subir e o pacote é um bom indicativo para que isso ocorra", avalia o executivo. Segundo ele, a bolsa brasileira vem sendo negociada a uma relação Preço/Lucro (P/L, que dá uma ideia do prazo de retorno para os investimentos) de 8,5 vezes - nível bem abaixo do pico de 13,5 vezes.

Bastante otimista com o futuro próximo após o plano de socorro da Europa, Walter Mendes, sócio da Cultinvest Asset Management, acredita que esse deve ser o empurrão que faltava para uma mudança de tendência dos ativos no mundo. "O mais importante no anúncio do pacote é a sinalização de que os governos europeus realmente abandonaram a postura de não ter atitude nenhuma", diz Mendes. "E é essa sinalização que os investidores tanto esperavam".

O passado recente comprova como o cenário melhora quando os governos mostram vontade política diante de problemas ou até de uma crise, como a europeia, lembra Mendes, do alto da experiência de quem já viveu muitos momentos de turbulência. "A situação dos Estados Unidos hoje não é nenhuma maravilha, mas melhorou muito com todos os sinais de boa vontade do governo Obama", diz.

Mendes descarta a possibilidade de o mercado voltar a andar para trás, caso as medidas demorem a ser implementadas. "A essa altura, todo mundo já sabe que não existe uma bala de prata para resolver a crise num único disparo", diz. "O importante é o pacote ir saindo do papel, não importa a velocidade", afirma.

A sinalização dada pela Europa pode ser considerada um bom começo para uma recuperação dos mercados. Apesar das preocupações com a inflação no Brasil e do desaquecimento das economias emergentes, com destaque para a China, Pedro Martins Junior, estrategista de renda variável para América Latina do Bank of America Merrill Lynch, observa que a percepção de risco tem mudado substancialmente nas últimas semanas.

Os dados de atividade econômica dos EUA têm mostrado uma evolução, reduzindo o risco de recessão do país, ressalta Martins Junior. O pacote europeu também diminui a probabilidade de repetição de uma crise como a de 2008, iniciada com a quebra do banco Lehman Brothers. "Mesmo que a solução na Europa ocorra a conta-gotas, está se materializando uma visão de que a catástrofe envolvendo algum país ou instituição financeira está sendo evitada", analisa o estrategista. "E isso tudo está acontecendo num cenário de alocação de recursos extremamente defensivo, de posições de caixa muito elevadas, o que potencializa o movimento em bolsa", afirma Martins Junior.

Apesar das boas sinalizações, o estrategista do BofA considera cedo para afirmar que o mercado acionário brasileiro está iniciando uma trajetória de alta. "Para que entremos num "bull market", precisamos eliminar no campo doméstico a preocupação com a inércia da inflação e, no externo, com a desaceleração mais rápida dos emergentes", destaca.

Mas não há apenas analistas que acreditam que o mercado conseguiu virar de uma vez por todas a página do longo movimento de baixa das ações. Há quem ache que a alta de ontem foi apenas um rápido respiro. Para Leonardo Sapienza, economista-chefe do banco Votorantim, o anúncio das medidas é algo importante, mas não é tudo. "Continuo bastante cético com a implementação das medidas que faltam para estancar a crise europeia", diz Sapienza.