Título: Pacote pode ser alterado caso não alcance objetivos, afirma Mantega
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Finanças, p. C1

Ao anunciar ontem o pacote cambial, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou que se as medidas não tiverem o efeito esperado o governo poderá elevar, de 30% para 50%, o percentual de receitas de exportação que as empresas serão autorizadas a deixar no exterior. "Daqui a um ou dois meses, podemos fazer um ajuste", avisou, acrescentando que o benefício também poderá ser revogado, caso o governo perca o controle sobre o mercado de câmbio. "Numa situação de contingência, podemos revogar as medidas."

Ruy Baron/Valor Mantega e Meirelles: possibilidade de rever as medidas para puxar câmbio O percentual de 30% ficou abaixo do que defenderam, nos debates internos do governo, os técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). A equipe do ministro Luiz Fernando Furlan propôs que a exigência de cobertura cambial fosse reduzida para, pelo menos, 50% das receitas de exportação. O que impediu a adoção de um percentual maior foi a resistência da Receita Federal em perder arrecadação - neste ano, as receitas do governo estão crescendo abaixo do ritmo de expansão dos gastos.

Até terça-feira, a disposição de Mantega era eliminar parte da cobertura cambial, instituindo uma espécie de CPMF virtual sobre o valor a ser mantido pelos exportadores no exterior. Pressionado por empresários, o ministro decidiu desonerar as empresas da cobrança de CPMF, mas optou por uma liberalização menor das regras de cobertura cambial. "O Julinho (Júlio Sérgio Gomes de Almeida, secretário de Política Econômica) me disse que o que os empresários mais querem é a CPMF", confessou Mantega. "Cheguei à conclusão de que, se cobrássemos a CPMF, a medida não funcionaria."

Os recursos que as empresas exportadoras deixarem no exterior serão registrados, segundo Mantega, tanto no Banco Central (BC) quanto na Receita Federal. No caso do Fisco, a fiscalização será feita por meio de atos declaratórios dos exportadores, que só poderão usar os recursos lá fora para pagamentos de investimentos e obrigações próprias. No caso do BC, os controles serão feitos por monitoramento dos agregados.

O governo decidiu também criar o contrato simplificado de câmbio. Por ele, o exportador que precise desembolsar recursos para pagamento de obrigações no exterior, poderá fazer uma operação simultânea de compra e venda de moeda estrangeira. Isso eliminará arbitragens em função da variação da taxa de câmbio e também os riscos assumidos pelos bancos que fazem essas operações para exportadores, uma vez que os contratos de compra e venda de câmbio serão fechados no mesmo dia, com a mesma taxa.

"Isso gerará ganhos de custo para os exportadores e também para os agentes de câmbio", comentou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. "Hoje, existe uma vinculação individualizada do contrato de câmbio de exportação ao registro de exportação no Siscomex. Isto significa que, num contrato de exportação com número muito grande de embarque de diversos itens, cada pequena modificação em cada um desses itens envolve uma mudança no contrato-base feito pelo banco que fechou o contrato de câmbio. Isso vai acabar", afirmou Meirelles. "O exportador não precisará preencher parte dos formulários que preenche hoje. Com isso, economizará recursos", disse Mantega.

A terceira medida relevante do pacote anunciado ontem é a permissão para que empresas estrangeiras registrem, em reais, capitais já contabilizados em suas contas, mas que não foram registrados no BC - "capital contaminado". A tese do governo é a de que esses capitais nunca foram registrados devido aos diversos controles cambiais impostos nos últimos 42 anos.

Com a mudança, as multinacionais, uma vez aumentando o estoque de capitais registrados no BC, poderão remeter, ao exterior, mais lucros e dividendos, uma decisão que, certamente, aumentará a demanda por dólares e outras moedas estrangeiras, ajudando a desvalorizar o real e tornando a economia brasileira mais competitiva. O ministro Mantega observou que, embora não haja nenhum desejo de que os capitais saiam do país, uma maior remessa de lucros e dividendos aumentará o recolhimento dos impostos que incidem sobre essas operações.

O ministro Mantega disse que não há como estimar o impacto do pacote sobre a taxa de câmbio e que, provavelmente, isso só acontecerá dentro de um ou dois meses, quando os fluxos de dólares forem afetados pelas medidas. Ele espera que pelo menos metade das empresas exportadoras, entre elas, a Embraer, que compra boa parte de seus insumos no exterior, deixe 30% de suas receitas lá fora. Se isso acontecer, cerca de US$ 20 bilhões deixarão de vir para o Brasil.

"Esperamos que essas medidas, além dos ganhos de desoneração para as empresas, tenham benefícios cambiais também, com a desvalorização do real", afirmou o ministro durante entrevista coletiva.

Questionado sobre a intenção do governo de justamente diminuir o valor do real frente a outras moedas, ele ponderou: "O fortalecimento do real é uma conquista do Brasil. (O pacote) é só para evitar que o real se valorize tanto. Estamos fazendo algo à semelhança do que outros países fazem para atenuar a valorização de suas moedas."

Outra medida anunciada ontem foi a permissão para que as lojas francas passem a aceitar reais, uma decisão que, ao contrário das outras, não contribuirá para aumentar a demanda por dólares. Isso poderá ser feito até o limite das compras em dólar (US$ 500). Segundo Mantega, seu efeito sobre a taxa de câmbio é inexistente. "Esta é uma medida de valorização da moeda nacional. Não é simpático que o brasileiro não possa usar a moeda nacional no 'free-shop'", afirmou.

Outra medida anunciada ontem, mas que não constará da medida provisória a ser anunciada na próxima semana, é a eliminação da multa cobrada das empresas que descumprem o prazo, de 180 dias, para o pagamento dos contratos de câmbio de importação.