Título: Exportador e múlti saem ganhando
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2006, Finanças, p. C1

O pacote cambial do governo federal não vai atingir seu principal objetivo se esse ele for conter a valorização do real. Tímido, cosmético e decepcionante foram alguns dos termos utilizados pelos integrantes do mercado financeiro para definir o pacote anunciado. Atraídos pelos ainda elevados juros em reais em relação ao risco percebido, os exportadores vão continuar a ingressar com seus recursos no país, ajudando a pressionar o dólar para baixo.

De imediato, saem ganhando com as medidas anunciadas ontem principalmente os grandes exportadores que são também grandes importadores. Eles poderão agora deixar 30% de suas receitas com as vendas externas em contas no exterior do país e usar esses recursos para pagar importações e outros tipos de dívida. Não terão mais de pagar CPMF na tramitação desses recursos em contas no país e não terão mais de pagar o spread no câmbio de entrada e de saída.

Também ganham as empresas de capital estrangeiro que haviam convertido a sua dívida em capital, mas não tinham como remeter lucros e dividendos sobre esse capital, pois ele não estava até agora contabilizado. Agora esse capital, chamado de "capital contaminado", vai acabar.

"Depois de tanto debate, o mercado esperava mais", disse Alexandre Vasarhelyi, chefe da mesa de câmbio do ING. Ele disse que o pacote, apesar de "tímido", foi "um começo", um "primeiro passo rumo à livre conversibilidade". Para diretor de banco que preferiu não se identificar, o governo deveria logo acabar com a cobertura cambial - deixar com que 100% das receitas com exportação pudessem ficar no mercado externo. Ele elogiou a desburocratização e maior atração do capital externo com o fim do "capital contaminado".

Para Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora, o pacote foi "cosmético". "O mercado achava que o bicho era mais feio." Segundo ele, o exportador vai continuar incentivado a ingressar com seus recursos no país por causa dos altos juros em reais e do cenário favorável para as captações externas do Brasil e suas empresas. "Os investidores externos voltaram a comprar títulos do governo no mercado interno - em julho, as compras dobraram em relação a junho - e a vender dólar futuro na BM&F", analisa o especialista.

Além disso, para Nehme, há inúmeras dúvidas técnicas e operacionais que precisam ser esclarecidas. A sua principal indagação é como o governo vai fazer para garantir e fiscalizar o pagamento de Imposto de Renda (IR) sobre juros remetidos nos empréstimos externos ou eurobônus, sobre lucros ou dividendos e outras remessas tributáveis. "Hoje, toda remessa está vinculada ao prévio recolhimento de IR _ é automático no contrato de câmbio", diz. "Gostaria de saber como a Receita vai fazer agora para fiscalizar esses pagamentos, que podem ser feitos diretamente de conta no exterior", comenta.

Ele tem dúvidas também sobre como serão feitos os registros pelo governo do recebimento de recursos da exportação pelo exportador, como serão os novos contratos de câmbio e como serão feitos os registros das importações. Hoje, todas as estatísticas de comércio exterior e câmbio do país estão vinculadas ao contrato de câmbio.

Cássia Rangel Monteiro, do escritório L.O. Baptista Advogados, considera as medidas "um avanço". Ela lembra que será necessário observar, na regulamentação do pacote, o que as empresas terão de fazer para provar que têm "capital contaminado". Carlos Eduardo Martins Mammana, sênior da divisão de consultoria do Braga & Marafon Advogados e Consultores, diz que as subsidiárias de empresas estrangeiras têm conseguido lucros expressivos nos últimos anos e, por causa disso, o "problema do capital contaminado assumiu maior dimensão". Ele também lembra, em nota distribuída à imprensa, a dificuldade de repatriar o "capital contaminado".