Título: China pede na OMC para cortar menos tarifas que o Brasil
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2006, Brasil, p. A3
A China, próxima de se tornar o maior exportador global, quer reduzir tarifas em um percentual menor que nações como o Brasil e em um prazo que pode chegar a 2026 pela Rodada Doha. Pequim apresentou, ontem, na Organização Mundial do Comércio (OMC) suas demandas na área industrial. E negociadores dizem que a idéia de não pagar por uma futura liberalização global é a mesma para a área agrícola.
Os chineses pedem para países que recentemente entraram na OMC um coeficiente para cortar as tarifas industriais que seja uma vez e meia maior do que o coeficiente de outros países em desenvolvimento (quanto maior o coeficiente, menor a redução tarifária). Essa proposta significa que, se o Brasil reduzir suas alíquotas em 70% (na média), os chineses diminuem as suas em apenas 50%.
Além de liberalizar menos, Pequim quer uma flexibilidade adicional para excluir até 15% de suas linhas tarifárias de reduções. Esse percentual é superior aos 10% que vem sendo discutido para Brasil, Argentina e outros emergentes.
A demanda chinesa vai além. O país tem prazo até 2010 para implementar os compromissos assumidos na OMC, conforme seu contrato de entrada na entidade. Para os resultados da Rodada Doha, Pequim pede três anos a mais que os outros países em desenvolvimento para implementar os acordos, ou seja, somente o faria a partir de 2013. Além disso, pede outra carência de mais três anos para então se submeter ao período concedido aos emergentes. Se esse prazo for os mesmos dez anos aprovados na Rodada Uruguai (1986-1995), Pequim só cortará de fato as tarifas ao final de 2026.
A reação foi imediata. Os Estados Unidos, a União Européia e outros países rechaçaram a possibilidade de "acúmulo de flexibilidades". Os europeus qualificaram a proposta de "fora de questão". Refletindo a posição de várias nações da sua categoria, a Costa Rica reclamou que não tem como aceitar que a China corte menos alíquotas, diante de sua enorme competitividade global.
Também na área agrícola, a China insiste que pagou muito pela sua entrada na OMC e não tem como abrir mais seu mercado tão rapidamente. É membro do G-33, grupo que quer designar pelo menos 20% de suas linhas tarifárias agrícolas como produtos especiais, sem compromisso de redução tarifária. Igualmente pede enorme flexibilidade para definir quais são esses produtos e para frear as importações agrícolas.
Nesse cenário, cresce entre os países a percepção de que o ganhador da rodada vai ser mais a China do que a UE ou os EUA na área industrial. Essa possibilidade causa reações internas nos principais países, quando se sabe que Pequim tem se beneficiado enormemente desde que entrou na OMC, graças a maior acesso de suas mercadorias baratas. Só com os EUA, a China tem superávit de US$ 200 bilhões por ano na balança comercial.
Nesta quarta e quinta-feira, altos funcionários do G-6 - Brasil, Estados Unidos, UE, Índia, Japão e Austrália - se reúnem em Genebra para discutir agricultura. Os europeus alertaram que não vão propor nada, na espera de os EUA fazerem algum gesto para reduzir subsídios internos agrícolas.
Enquanto isso, a Copa do Mundo de Futebol coloca um certo tempero nas negociações.
Na sessão especial de negociação agrícola, parte dos negociadores monitorava o jogo entre Austrália e Japão por seus computadores portáteis, graças à internet sem fio. Quando acabou o jogo, com vitória de 3 a 1 para os australianos, o representante japonês brincou dizendo que estava tão decepcionado que teria dificuldades para fazer seu pronunciamento.
Japão, União Européia, Suíça, Noruega, Coréia do Sul e outros protecionistas rechaçaram a idéia do mediador da negociação agrícola, Crawford Falconer, de que um acordo deve ficar próximo do que propõe o G-20.
Várias delegações defenderam, por sua vez, que os países em desenvolvimento cortem o equivalente a dois terços da redução tarifária a ser efetuada pelas nações desenvolvidas. Mas Suíça e outros países protecionistas insistiram que não aceitarão limitar a tarifa máxima a 100%, como quer o G-20.