Título: Tese da reestruturação da indústria divide economistas
Autor: Raquel Salgado e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2006, Especial, p. A12

A indústria brasileira está adotando movimentos ainda pontuais para conviver com o câmbio valorizado e os juros altos e minimizar seus efeitos sobre a produção local. Para alguns economistas, isso não significa, contudo, que esteja em curso um processo de reestruturação do sistema produtivo, como sustentam os economistas José Roberto Mendonça de Barros e Lídia Goldenstein, da MB Associados, em artigo publicado ontem no Valor. Outros, porém, concordam com a tese. De um modo geral, os economistas que acompanham a estrutura produtiva concordam que a atual política econômica - ancorada em juros altos e câmbio valorizado - está afetando a dinâmica interna da indústria e exigindo, dos empresários, respostas à perda de competitividade no exterior e à maior concorrência doméstica, especialmente em relação aos produtos chineses. A divergência é quanto ao tamanho do estrago e se ele já detonou mudanças estruturais ou apenas adaptações conjunturais à atual desvantagem.

O economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Mesquita Moreira, não vê sinais de reestruturação produtiva no país. Para ele, não há indicadores estatísticos que deixem claro o movimento de sucateamento da indústria intensiva em tecnologia em detrimento daquelas intensivas em mão-de-obra. "É claro que existem setores sofrendo com o câmbio e diminuindo exportações, mas não é um movimento generalizado.

Moreira acredita que no contexto de forte concorrência com China e Índia, a tendência é a de que os empresários brasileiros voltem seus investimentos para áreas que produzam bens de maior valor. "Nos segmentos de produtos populares, a competição com esses países é ainda mais forte", explica.

Porém, para que os investimentos tomem corpo, o ambiente macroeconômico precisa melhorar. "Câmbio e juros devem estar em patamares mais aceitáveis. Do contrário, as exportações vão mesmo recuar", argumenta.

Para o professor Marcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as indústrias exportadoras e produtoras de bens de maior valor agregado têm obtido bons resultados. Uma prova é o crescimento médio anual de 8,2% na produção de máquinas e equipamentos (bens de capital) entre 2003 e 2005. Ao mesmo tempo, ele ressalta que, no período de 1999 a 2002, a elevação da atividade nesse setor foi de apenas 2,4% ao ano. "Essa indústria, que é a base do investimento no setor produtivo e que fabrica itens mais sofisticados vai bem e acaba por refutar a tese de reestruturação", diz.

Por outro lado, os ramos que deveriam ser impulsionados pelo recente aumento de renda da população mais pobre - através do Bolsa Família e do salário mínimo maior - crescem em um ritmo mais fraco. Entre 2003 e 2005, a produção de alimentos avançou apenas 1,1%, a metade do percentual verificado entre 1999 e 2002 (2,2%). Situação semelhante marca o setor têxtil.

No artigo publicado no Valor, Mendonça de Barros e Lídia avaliam que o forte crescimento da renda dos mais pobres e o contínuo achatamento dos rendimentos da classe média têm feito com que as indústrias que produzem bens populares invistam em aumento de produção. Ao mesmo tempo, as mais sofisticadas estão com demanda interna fraca e exportações comprometidas devido ao câmbio. Esse movimento estaria provocando uma nova reestruturação do setor produtivo.

David Kupfer, economista do Grupo de Indústria e Competitividade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é mais um no time dos que criticam os juros altos e o câmbio valorizado. Mas ele não culpa apenas esses dois fatores. Kupfer diz que a indústria brasileira está incompleta em relação ao mix de produtos. A diferenciação de produtos no complexo industrial brasileiro é menor do que deveria. "A indústria brasileira está muito 'commoditizada' e para fazer esta transição é preciso mais inovação tecnológica", diz. A inovação, segundo ele, tem um papel importante na dinamização e expansão da indústria nacional.

Para ele, a indústria voltada para o mercado doméstico não sabe o que fazer frente à concorrência avassaladora da China. Mas Kupfer admite que o movimento não é generalizado. A indústria de insumos básicos e commodities até que vai bem. "Na petroquímica há uma nova onda de investimento."

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo concorda com a tese da reestruturação. Para ele isso é fruto do real valorizado em relação ao dólar, que, por sua vez, reflete uma concepção macroeconômica que não soube manejar a entrada da China no jogo do comércio internacional. Além disso, o investimento público também está paralisado. Já que o emprego não cresce num ritmo forte e contínuo há muitos anos, o governo usa os programas de transferência de forma compensatória, avalia Belluzzo.

Ele lembra também que se a situação da economia mundial não fosse tão virtuosa, o Brasil dificilmente teria aumentado suas exportações e visto sua economia crescer nos últimos três anos. "O problema é que esse cenário não vai se sustentar da forma que está hoje por muito mais tempo", diz. Na opinião de Pochmann, junto com os países da África, o Brasil é um dos que, nos últimos 25 anos, tiveram mais resultados negativos do que positivos com o processo de globalização da economia.

Kupfer receita "um empurrão do governo" para tirar a indústria da letargia. E defende uma política macroeconômica capaz de criar um ambiente geral mais favorável aos negócios no Brasil, com o fim das distorções tributárias, menos entraves e dificuldades burocráticas e apoio de instrumentos financeiros como linhas de crédito industrial e recursos destinados à pesquisa e desenvolvimento.