Título: BC deveria perseguir meta de inflação em prazo mais longo, dizem analistas
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2006, Brasil, p. A2

Com sete anos de existência, o regime de metas de inflação pouco mudou desde sua entrada em vigor, em meados de 1999. Para alguns analistas, chegou a hora de promover alguns aperfeiçoamentos no sistema, para tornar mais flexível a condução da política monetária. Ampliar o prazo em que o Banco Central (BC) persegue a meta, hoje restrita ao ano-calendário, é a proposta que de longe agrada ao maior número de economistas - a divergência é quanto ao momento de implementá-la. A adoção de uma medida de núcleo de inflação - como a que exclui os preços administrados - também tem seus adeptos. A reunião de quinta-feira do Conselho Monetário Nacional (CMN) seria a oportunidade para o governo adotar alguma dessas medidas. A expectativa, porém, é que o CMN anuncie somente a meta para 2008, repetindo o alvo de 4,5% e a margem de tolerância de dois pontos percentuais previstos para este ano e para o ano que vem, decisões que serão bem recebidas pela maior parte dos analistas.

Abandonar a camisa-de-força do ano-calendário tem a simpatia do ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Para ele, essa exigência impõe uma rigidez desnecessária à política monetária. Loyola diz que esse problema fica evidente quando os índices de preços sobem muito no começo do ano, mas as previsões para a inflação futura são positivas.

Nesse cenário, o BC mantém os juros em níveis elevados demais nos meses seguintes apenas para cumprir o alvo no ano fechado. "Fazer isso é dar importância à notícia velha", afirma Loyola, ressaltando que a política monetária deve olhar para a frente. Para Loyola, o ideal seria que o prazo de convergência da inflação para as metas passasse do ano-calendário para algo como 12 a 24 meses à frente.

O ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, professor da PUC-Rio, também considera essa mudança importante, mas acredita que ela não deve ser implementada de imediato. Para ele, essa alteração tem que entrar em vigor quando houver uma meta permanente, de longo prazo, que para ele deve ser mais baixa que os 4,5% que devem vigorar pelo menos até 2008.

Outra proposta sempre em discussão é adotar como referência alguma medida de núcleo da inflação, como as que excluem os preços administrados. Para o professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, isso seria importante porque esses preços não são respondem aos movimentos nas taxas de juros. Com a sua exclusão, o BC focaria sua atenção nas cotações que são de fato influenciadas pela política monetária. Um estudo do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, também propõe que o BC passe a monitorar apenas os preços livres.

Goldfajn reconhece a importância dos núcleos, mas acredita que o BC deve continuar a perseguir o índice "cheio". "Com o núcleo, fica mais difícil a comunicação com o público", diz. Para ele, o BC deve examinar atentamente o comportamento das diversas medidas de núcleo para definir os juros, mas sem que se tornem a meta oficial.

O economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, tem posição semelhante à de Goldfajn, lembrando que o Brasil, ao optar por ter como alvo o índice cheio, introduziu uma margem de tolerância razoavelmente folgada. "Se há um choque de oferta, o BC pode acomodar a inflação mais alta na banda. É para isso que ela foi definida." Para Bassoli, isso é um sinal de que o regime tem flexibilidade. Goldfajn lembra ainda que há o conceito da meta ajustada, mecanismo que o BC pode usar para acomodar choques de oferta. Com ela, a instituição aceita uma inflação temporariamente mais alta e faz a convergência dos índices de preços para a trajetória das metas num prazo mais longo.

Mais crítico em relação ao sistema de metas, Carneiro diz que o problema é que, apesar da margem de tolerância, o BC insiste em mirar no centro da meta. "A banda existe, mas o BC não trabalha com ela". Para ele, além da adoção do núcleo e do abandono do ano-calendário, também é necessário ter uma taxa de câmbio mais estável para que o regime de metas funcione bem e não cause volatilidade excessiva na taxa de juros. "O país tem estabilidade inflacionária, mas não tem estabilidade monetária, porque o câmbio e os juros ainda oscilam muito."

A provável fixação da meta de 2008 em 4,5% e da margem de tolerância de dois pontos percentuais agrada aos especialistas. Goldfajn diz que o importante na fase atual é consolidar a inflação nesses patamares e reduzir os juros reais. Diminuir o alvo para 2008 não seria oportuno, porque a economia brasileira ainda está sujeita a choques, como mudanças mais abruptas na taxa de câmbio, por exemplo. Quando o país estiver mais robusto, com a inflação e os juros em níveis mais baixos, será possível e desejável trabalhar com uma meta menor do que 4,5%, avalia ele. Loyola também acredita que o ideal é fixar a meta de 2008 em 4,5%, por considerar que a economia ainda tem problemas estruturais, como a persistência de alguma indexação.

Bassoli acha que haveria espaço para uma pequena redução da meta de 2008, para 4% ou 4,25%, uma vez que isso mostraria um compromisso mais forte com a redução da inflação no longo prazo, sem impor custos pesados. "Mas a manutenção do alvo em 4,5% não passará a idéia de leniência com a inflação", reconhece.

Carneiro diz que os 4,5% são um número razoável desde que não haja grandes alterações na liquidez internacional. Se houver uma piora muito significativa no cenário externo nos próximos anos, o câmbio pode ficar pressionado, e os 4,5% que atualmente parecem confortáveis podem tornar-se ambiciosos, avalia ele.