Título: Sul importa energia para evitar risco de desabastecimento
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2006, Brasil, p. A3

Com seus reservatórios nos níveis mais baixos dos últimos sete anos, a Região Sul enfrenta hoje uma situação inversa à do racionamento de energia que acometeu o país em 2001: só consegue evitar uma crise de desabastecimento graças à "importação" recorde de eletricidade das regiões Sudeste e Centro-Oeste.

As chuvas que caíram até agora em junho, período de alta pluviosidade nas bacias hidrográficas do Sul, correspondem a apenas 19% da média histórica do mês. Com isso, os reservatórios baixaram a 29% da capacidade total e obrigaram o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a tomar uma série de ações preventivas.

Por enquanto, o risco de racionamento, mesmo isolado na Região Sul, é visto como improvável pelo governo. "Ainda temos bala na agulha nos próximos três ou quatro meses, mesmo se não chover o suficiente", diz uma fonte oficial. A principal medida até agora foi o aumento da transferência de eletricidade gerada no Sudeste. Essa região comporta aproximadamente 60% de toda a energia de origem hidráulica armazenada nos reservatórios do país, transformando-a numa espécie de caixa d'água para o Sistema Interligado Nacional (SIN).

A transferência das regiões Sudeste e Centro-Oeste para o Sul, que em maio havia girado em torno de 3.700 megawatts (MW) médios todos os dias, atingiu o pico de 4.642 na terça-feira da semana passada. O recorde anterior era de abril de 2005. Na época do racionamento, foi o movimento contrário que aliviou um pouco a crise de energia: a Região Sul, então com os reservatórios relativamente cheios, chegou a mandar 1.962 MW médios ao Sudeste e ao Centro-Oeste, em agosto de 2001.

Em tese, a exportação de energia do Sudeste não deve resultar em problemas para a região. Ela acaba de sair do período de chuvas - de novembro a abril - e está com seus reservatórios em 80% da capacidade. Também tem recebido diariamente 1.500 MW médios da Região Norte - onde, por sua vez, 95% dos reservatórios estão cheios e as chuvas continuam caindo acima do normal.

Para o governo e o ONS, a gestão mais importante é a da chamada "curva de aversão ao risco", que define os níveis mínimos de armazenamento dos reservatórios para garantir com segurança o abastecimento do mercado, considerando a utilização de todos os recursos disponíveis. No Sul, esse piso equivale a 13% da capacidade dos reservatórios de junho a setembro. Segundo o último dado disponível, eles ainda estão 16,56 pontos percentuais acima do nível mínimo. No Sudeste e no Nordeste, estão 23,83 e 47,93 pontos percentuais acima, respectivamente.

Com a estratégia adotada pelo ONS nas últimas semanas, a queda de volume dos reservatórios na região Sul foi interrompida no fim da semana passada. Além da transferência de energia, as usinas térmicas têm operado em alta capacidade. O ONS também pediu à paranaense Copel que acelere as obras para colocar em operação, até agosto, a termelétrica de Araucária. Isso significa uma antecipação de seis meses da entrada em funcionamento da usina, que vai gerar 480 MW.

Para especialistas, o cenário na Região Sul não é tão confortável quanto parece. Uma das fontes de preocupação é a falta de resposta de Garabi I e II, duas linhas de interconexão com a Argentina, que não responderam aos pedidos de fornecimento de energia feitos pelo ONS. Essas linhas podiam fornecer até 2.200 MW até março de 2005, mas o limite foi reduzido a apenas 400 MW na época. Na última vez que o ONS tentou "puxar" energia da Argentina por meio das estações conversoras de Garabi, no entanto, não houve resposta.

Na semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) zerou o valor dessa garantia de fornecimento. Ou seja, o ONS, no próximo programa mensal de operação, não poderá contar com 400 MW de eletricidade disponível.

Para o professor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, as linhas de transmissão que têm permitido o aumento da importação de energia no Sul não devem ser vistas como tábua de salvação porque têm um limite de carga. Ele cita Garabi como um novo problema e lembra que a termelétrica de Uruguaiana não pode ser acionada por causa da falta de gás argentino, matéria-prima da usina. De acordo com Pires, a melhor medida preventiva seria iniciar agora uma "campanha de conscientização" para redução espontânea do consumo de energia na Região Sul. "O governo não vai fazer isso em nenhuma hipótese por causa da proximidade das eleições. Um dos trunfos do governo atual é acusar o anterior de ter causado o apagão", afirma o especialista.

"Com a falta de investimentos em geração, estamos caminhando no fio da navalha. Qualquer problema pode gerar uma situação grave, como foi o risco de racionamento no Nordeste, em dezembro de 2004", acrescentou.