Título: Competição opõe teles e Anatel
Autor: Moreira ,Talita
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2011, Empresas, p. B1

A proposta de um regulamento para estimular a competição na telefonia abriu uma crise entre as grandes operadoras e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). As teles acusam o órgão regulador de tentar impor um "dirigismo estatal". Para a agência, o receio das operadoras indica uma "visão concorrencial pequena".

A minuta do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) estabelece regras para que as operadoras com grande poder de fogo garantam o uso de suas redes por concorrentes menores. O objetivo é estimular o "aluguel" de redes entre as teles, especialmente nos locais onde é difícil replicar a infraestrutura existente. A ideia é que, havendo mais competição no atacado, haverá mais ofertas e preços menores para o consumidor.

A regulamentação do mercado de atacado está prevista desde a privatização, mas nunca foi feita.

A insatisfação com as medidas colocou do mesmo lado os três maiores grupos de telecomunicações do país: Telefônica, Oi e América Móvil (Embratel, Claro e Net), além de entidades de classe. As empresas ameaçam ir à Justiça contra o PGMC caso ele seja aprovado com o teor atual.

Das principais teles, a única que defende a proposta é a TIM, que, apesar de ser a segunda maior operadora de telefonia móvel do país, não se encaixa na definição de empresa com grande poder de mercado prevista no regulamento.

"A Anatel quer planejar os investimentos das companhias privadas, o que é vedado pela Constituição", ressalta o diretor de regulamentação da Oi, Paulo Mattos.

Na Embratel, as críticas também são duras. "Estão preocupados em fazer uma coisa idealista, mas idealista paga o preço", diz o presidente da Embratel, José Formoso. "A criação de regras assimétricas podem criar problema. Vamos fazer algo que ajude e não atrapalhe."

Diante do impasse, o conselho diretor da Anatel decidiu, na quinta-feira, prorrogar novamente a consulta pública do PGMC, que já havia sido estendida uma vez. Com isso, o término do período de contribuições passou do dia 8 para o dia 23. Desde que a consulta foi aberta, no fim de julho, o link na internet foi acessado mais de 1,5 mil vezes. O documento está disponível no site da Anatel.

São dois os itens que mais incomodam as teles. O primeiro é a definição de Poder de Mercado Significativo (PMS) adotada na proposta. De forma simplificada, o conceito leva em conta se a operadora tem participação relevante na oferta de um produto em uma localidade. Nos casos em que há posição dominante, a companhia é submetida a exigências mais duras para que seja estimulado o acesso de rivais à sua rede.

O outro ponto trata das condições para a contratação de infraestrutura. As operadoras terão de informar publicamente quanto tem de infraestrutura disponível e a que preço. Os valores não poderão privilegiar empresas do mesmo grupo que detém a rede. Se uma operadora não fizer sua oferta de referência, a Anatel poderá obrigá-la a ceder acesso à sua infraestrutura até que apresente proposta.

"As operadoras terão de investir para manter capacidade ociosa e de cedê-la ao preço que a Anatel homologar", argumenta Pedro Dutra, advogado especialista em direito da concorrência que fez pareceres para diversas operadoras.

O presidente da Telefônica, Antonio Carlos Valente, afirma que as regras podem frear os investimentos. "Em princípio, estamos de acordo [com a criação de regras para estimular a competição], mas vamos ver se o que vai ser aprovado pela Anatel gere não só o crescimento do mercado competitivo como também do investimento", diz.

Para João Rezende, membro do conselho diretor da Anatel e relator do PGMC, a percepção das teles é equivocada. Se uma empresa demonstrar que não tem capacidade ociosa em sua rede, diz ele, não terá de duplicá-la só para atender ao pedido de outra operadora. "Não queremos matar o investimento de ninguém", afirma.

Para o conselheiro, as operadoras temem que mostrar a capacidade de rede enfraqueça sua posição no mercado. "Estamos tentando fazer com que o setor tenha uma relação mais transparente", diz Rezende, cotado para assumir a presidência da Anatel com o fim do mandato de Ronaldo Sardenberg em novembro.

"Está correto impor regras assimétricas para mercados em que a infraestrutura é cara demais e não pode ser duplicada, como a última milha [trecho da rede que chega à casa do assinante]", diz Mario Girassole, diretor de assuntos regulatórios da TIM. O executivo avalia que há uma lógica perversa no mercado brasileiro: a infraestrutura de telefonia é mais cara nas áreas onde não há competição e a renda é menor. "Os preços de atacado podem custar dez vezes mais no interior do Maranhão do que em São Paulo", compara.

Avaliação parecida é feita por João Moura, presidente da Telcomp (associação que reúne operadoras de menor porte). Para ele, quem tem posição dominante naturalmente tende a cobrar mais pelo uso de sua rede e, portanto, não pode ter "vida fácil". "As teles estão criando confusão indevidamente", afirma.

Depois de encerrada a consulta pública, a proposta do PGMC voltará à área técnica da Anatel para análise das contribuições. Em seguida, seguirá para a votação final do conselho diretor da Anatel. (Colaborou Sérgio Ruck Bueno, de Porto Alegre)