Título: Sem padrão definido, cheias fazem a defesa do bioma
Autor: Lopes,Fernando
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2011, Agronegócios, p. B16

Resultado dos mesmos movimentos que fizeram emergir a Cordilheira dos Andes, no longínquo período Terciário da era Cenozóica, o Pantanal tem em seu regime de inundações a fortaleza que o mantém como o bioma brasileiro proporcionalmente menos devastado pelas ações humanas.

E isso porque até hoje é impossível prever se haverá ou não cheia, e se essa cheia será ou não daquelas de inundar até a copa das árvores. Focado no estudo desse regime há quatro anos, o pesquisador Carlos Roberto Padovani, da Embrapa Pantanal, tem hoje apenas uma certeza sobre o padrão do movimento das águas por lá: "O padrão é a variabilidade", afirma.

Mas há pistas, e é com base nelas que Padovani ajudou a Embrapa a criar um sistema de alerta para que as populações tentem se preparar para as águas. Todos os anos o Pantanal enche e seca - ainda que não se possa precisar quanto -, e normalmente a inundação acontece do norte para o sul.

Diferentemente do que acontece na Amazônia, inundada pela cheia dos rios, o Pantanal submerge por causa dos rios e das chuvas, sempre com os olhos bem abertos para o comportamento de seu tronco principal, o rio Paraguai. Normalmente o período de chuvas vai de outubro a março, e, em média, as cheias são homogêneas.

Padovani explica que um dos muitos problemas provocados pelo desmatamento no Pantanal é que ele está concentrado justamente nas áreas mais altas, no norte e no nordeste do bioma, que é onde costuma chover mais. Sem obstáculos, o escoamento das águas e seu grande volume de sedimentos, gerado no evento geológico do Terciário, é mais rápido. Segundo ele, alguns rios pantaneiros podem mudar seu curso em virtude do acúmulo de sedimentos nos leitos. Da mesma forma, há rios que não são rios, mas "cobras" sem nascente ou foz.

Estaria tudo muito bem não fosse o fato de que nem sempre as cheias são cheias mesmo. Entre 1962 e 1974, por exemplo, o Pantanal simplesmente não encheu, por conta de eventos que secaram toda a bacia da Prata e tiveram efeitos até na África. Muitos pecuaristas de fora chegaram à Nhecolândia na época, para serem praticamente "expulsos pela cheia que não mais viria, mas que foi forte em 1975. "São os limites do Pantanal, sempre entre o econômico e a natureza", afirma o pesquisador. (FL)