Título: Como reprogramar a vida para produzir com mais equilíbrio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2006, Eu &, p. D6

"A contribuição mais importante da administração no século XX foi o crescimento de 50 vezes da produtividade do trabalhador braçal do setor industrial", escreveu o guru Peter Drucker. "A contribuição mais importante que a administração precisa dar no século XXI é aumentar de modo parecido a produtividade do trabalhador instruído."

Mas como? Enquanto os trabalhadores braçais de uma linha de montagem podem ser reorganizados de cima para baixo para melhorar a eficiência, os trabalhadores da informação são mais auto-direcionados, e precisam encontrar rotinas eficientes para processarem um fluxo constante de informações por conta própria. O problema é parecido com a reprogramação de parte de um software para que ele rode de maneira mais confiável. E assim como os programadores gostam de explorar truques para obter resultados mais rapidamente, um novo movimento chamado "life hacking" (truques para melhorar a produtividade) está agora usando a mesma abordagem para reorganizar a vida fora da telinha do computador.

Danny O' Brien, escritor e ativista da internet, introduziu o termo em uma apresentação feita na O' Reilly Emerging Technology Conference em 2004. Ele enviou longos questionários para dezenas de "geeks" (pessoas com um talento e um interesse por tecnologia e programação acima do normal) perguntando como eles conseguem evitar as tantas distrações tecnológicas. A hipótese de O' Brien era de que esses "geeks" haviam criado uma série de estratégias para trabalhar de maneira eficiente em um mundo auto-administrado e infinitamente dispersivo. "Eu via as pessoas ao meu redor aplicando todos esses truques", lembra-se . "Mas elas faziam segredo desses truques. Alguns 'life hackers' evitavam falar muito sobre isso."

A apresentação de O' Brien teve repercussão junto a muitos tecnólogos, incluindo Merlin Mann, que começou um blog em setembro de 2004 chamado 43 Folders, que fundia a perspectiva do "life hacking" com a de "getting things done" (numa tradução literal, "fazendo as coisas"), um livro sobre produtividade de grande vendagem escrito por David Allen. "Getting things done" defende a transformação de todos os projetos em passos individuais que possam ser atingidos em poucos minutos, e a organização desses passos em listas categorizadas - em resumo, criar um software de produtividade para a mente. Embora esse tipo de abordagem regimental seja particularmente atraente para os "geeks", ele poderia ter uma aplicação mais ampla entre as pessoas que trabalham com a informação. "Os 'geeks' são os canários na mina de carvão", diz Mann. "Nós fomos os primeiros a ficar emocionados com o e-mail." As ferramentas usadas hoje pelos "geeks" acabarão sempre sendo adotadas mais amplamente amanhã.

Mas o "life hacking" não depende do uso da tecnologia pelo bem dela. Na verdade, talvez a maior reivindicação de Mann à fama é o ironicamente chamado "hipster PDA" - uma pilha de formulários unidos por um grande clip que é, segundo ele, superior a um organizador pessoal eletrônico. A apresentação de Mann sobre a idéia parece um show de comédia, mas ele fala sério: não há muita brincadeira, configurações e personalizações a serem feitas com uma pilha de formulários, de modo que os usuários precisam se esforçar para fazer algo útil. O 43 Folders, e sites parecidos como o lifehacker.com, têm muitas sugestões parecidas sobre maneiras de se centralizar os processos do dia-a-dia e evitar distrações.

Mas ainda há espaço para melhorias nesse campo, se a experiência de seus principais incentivadores servir de guia. Mann e O' Brien assinaram um contrato para a produção de um livro sobre o "life hacking" para a O'Reilly and Associates, uma editora de manuais técnicos e a empresa por trás de livros de sucesso como "Google hacks" e "Amazon hacks". Mas o livro acabou não saindo. "Tentamos todos os truques que conhecíamos para nos motivar", diz Mann. Isso não serve, entretanto, para gerar confiança na filosofia dos dois. Mas o "life hacking", insiste O'Brien, envolve mais do que apenas a produtividade.

"O 'life hacking' não está atrelado às idéias empresariais de eficiência", diz ele. "As pessoas passam tanto tempo tornando-se eficientes e começam a se perguntar para que ela serve. Elas recarregam suas vidas com coisas que não são atividades prosaicas ou tediosas como meditação, yoga, técnicas de relaxamento". A atenção é outra aspiração comum dos "life hackers", cuja hiperatividade é uma faca de dois gumes, proporcionando um benefício em um ambiente de trabalho multi-tarefas, mas fazendo seus praticantes mais capacitados se sentirem vazios e desanimados, arrastados para todas as direções ao mesmo tempo.

"Os livros de produtividade podem ser oportunos, mas em sua raiz eles são didáticos - como responder mais e-mails para realizar mais vendas", diz Mann. "Eles não falam sobre o quanto estamos confusos hoje, tentando prosseguir com a vida no século XXI usando ferramentas criadas há 60 anos." No fim das contas, diz ele, o objetivo do "life hacking" não é tanto melhorar a produtividade, e sim inspirar confiança e evitar a sensação de opressão.

Parece irônico que os "geeks", os maiores apaixonados pela tecnologia, precisem recorrer a truques técnicos para conseguir um equilíbrio entre a brincadeira com seus brinquedos e um trabalho útil. Mas as dicas de "life hacking" que eles compilaram podem ajudar as pessoas menos obcecadas por quinquilharias eletrônicas a se tornarem mais produtivas também. Se você usa um computador o dia inteiro, vale a pena visitar os sites 43folders.com e lifehacker.com. Só não deixe que as técnicas de "life hacking" entrem no meio do caminho quando você estiver fazendo algum trabalho útil.