Título: Políticas públicas e estratégias empresariais para o setor de TI
Autor: Ricardo C. Mendes e Débora Míura Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2006, Opinião, p. A10

Nos últimos anos, a Índia tornou-se referência na produção e comercialização de serviços de tecnologia da informação. As exportações de software e serviços de TI, em 2005, atingiram o montante de US$ 17,2 bilhões. A estimativa para o ano de 2006 é de um incremento de 35%, o que em números significa US$ 23,3 bilhões. De olho nas oportunidades que o mercado indiano proporciona como plataforma de exportações, as principais multinacionais do setor de tecnologia já se instalaram no país, sendo que em 2005 o país recebeu US$ 6,5 bilhões em investimentos diretos no setor. Além dos ganhos na balança comercial, o setor de TI também ampliou o número de empregos no país. Do total de profissionais de TI empregados na Índia, estima-se o crescimento de 284 mil em 1999-2000 para 1,28 milhão de empregos em 2005-2006. Desse total, 230 mil empregos foram criados apenas no último ano.

No caso brasileiro, as vendas externas de softwares e serviços de tecnologia da informação evoluíram pouco na última década, passando de 100 milhões de dólares em 1993 para 300 milhões em 2005. Diferentemente da Índia, os resultados mais expressivos da balança comercial brasileira estão concentrados nas exportações de mercadorias e não de serviços. A título de comparação, as exportações indianas de software e serviços de TI da Índia em 2005 superaram em mais de US$ 5 bilhões o principal item da balança comercial do Brasil (automóveis e autopartes), que neste mesmo ano alcançaram um total de US$ 11,5 bilhões.

A transformação da Índia em um dos principais pólos exportadores de serviços de tecnologia da informação e serviços de procedimentos de negócios (BPO) é resultado de uma série de bem-sucedidas estratégias empresariais e políticas públicas (quase sempre combinadas) para o setor. Por parte do setor privado, a entidade responsável por esse processo de transformação é a National Association of Software and Service Companies (Nasscom), entidade que representa os interesses de suas 980 empresas associadas.

Ao escolher o setor de tecnologia de informação como prioritário para o desenvolvimento do país, o governo da Índia adotou uma série de medidas com o intuito de assegurar um ambiente de negócios mais favorável às empresas do setor. Atendendo a pressões do setor privado representado pela Nasscom, o governo indiano, em 1991, assegurou pela primeira vez a isenção de impostos de renda sobre o lucro da exportação de software. Foram também emendadas as leis sobre direitos autorais e outras medidas de incentivos fiscais e não-fiscais foram implementadas.

Enorme competitividade no setor de TI/BPO faz com que a Índia se torne líder nas negociações da OMC sobre esse tema Mais recentemente, entre as medidas que ajudaram a desenvolver o setor de tecnologia destacam-se a criação das SEZs (Zonas Especiais de Exportação) em abril de 2000. Dentro dessas zonas especiais, as importações de bens e serviços são isentas de impostos e tarifas. Além disso, existe também dentro dessas áreas uma infra-estrutura integrada para favorecer o escoamento das exportações, um mecanismo ágil e centralizado para a obtenção de licenças governamentais, além de um pacote de incentivos para atrair investimentos estrangeiros e domésticos que promovam crescimento por meio de exportações - como exemplo, a simplificação de procedimentos relacionados à legislação trabalhista, com a criação de novos tipos de contrato e regras mais flexíveis.

Com tamanha competitividade no setor de TI/BPO, a Índia vem se tornando um líder nas negociações na Organização Mundial do Comércio sobre esse tema. As suas principais demandas estão concentradas na consolidação de abertura de mercado para a prestação de serviços à distância (modos 1 e 2), assim como na facilitação nos processos de obtenção de vistos de trabalho temporários (modo 4). Mais do que abrir mercados, a estratégia da Índia é assegurar que não sejam criadas barreiras à prestação de serviços a partir de seu território, mitigando, portanto, riscos operacionais das empresas que atuam na Índia, sejam elas de capital doméstico ou estrangeiro.

É interessante notar que essa posição liberalizante no setor de serviços da Índia se contrapõe ao seu posicionamento na década de 1980. Durante a Rodada Uruguai, o Brasil e a Índia lideraram uma aliança estratégica no GATT, com o objetivo de impedir que a Rodada Uruguai incorporasse novos temas, tais como comércio de serviços, propriedade intelectual e investimentos às negociações multilaterais. Esses temas eram associados a interesses de empresas multinacionais com sede em países desenvolvidos.

Obviamente o setor de TI no Brasil tem características muito distintas do setor na Índia. O tamanho e o dinamismo do mercado doméstico brasileiro é incomparável ao indiano, o que torna as exportações de serviços de TI uma atividade relativamente pequena nas empresas que atuam no país. Não obstante, o setor é prioritário na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior estabelecida pelo atual governo e as exportações vêm crescendo puxadas tanto por empresas nacionais como estrangeiras. O objetivo é que o país atinja uma meta de exportação de US$ 2 bilhões até 2007.

Os serviços prestados a partir do Brasil vêm ganhando espaço no mercado internacional por diversos motivos. Primeiramente, o país é sede regional de diversas empresas multinacionais que, ao integrarem suas operações na América do Sul, passam a contratar prestadores de serviços brasileiros para as suas outras filiais na região. Além disso, os serviços brasileiros vêm disputando mercados nos EUA com vantagens de fuso horário, estabilidade política e infra-estrutura no setor de telecomunicações. A melhoria do posicionamento das empresas que exportam serviços no Brasil, no entanto, dependerá de políticas públicas e estratégias de negócios eficazes. Nesses quesitos, os indianos têm muito a ensinar aos brasileiros.

Ricardo Camargo Mendes é diretor da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais.

Débora Miúra Guimarães é Analista de projetos da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais.