Título: Vinte anos do Código de Defesa do Consumidor
Autor: Moura, Walter; Bessa, Eonardo; Santana, Hector
Fonte: Correio Braziliense, 11/09/2010, Opinião, p. 25

Advogado, diretor secretário-geral do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon)

Promotor de Justiça, diretor de Assuntos Internacionais do Brasilcon

Juiz de direito, presidente do Brasilcon

Como brasileiros autênticos, temos orgulho de comemorar datas de conquistas esportivas, especialmente as futebolísticas, desde centenários de clubes até guardar, de cor, o ano em que se ganhou um campeonato. Nesse caso, a comemoração é diferente. É aniversário de uma lei e o título do artigo já indica muito. Quantas leis no Brasil comemoram aniversário neste universo de normas que se repetem diariamente? Quem se lembra ou conhece a data de promulgação do Código Civil, do Código Penal ou da maioria do que é votado?

A Lei 8.078/90, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, foi promulgada em 11 de setembro de 1990, ou seja, há duas décadas, fazendo jus a análise um pouco mais aprofundada. O balanço geral é de que há motivos para comemorar! É consenso que o consumidor brasileiro, até a edição da Lei 8.078/90, era vítima indefesa de abusos e desrespeitos de todas as montas ao simples ato de adquirir um produto ou um serviço.

O consumidor esteve exposto a situações que iam, frequentemente, de produtos sem validade controlada e intoxicações alimentares corriqueiras até a sujeição completa a contratos com cláusulas leoninas, até a própria incompreensão do Estado diante de sua fragilidade econômica. A tutela jurídica era escassa, fragmentada, pouco consistente.

O Código de Defesa do Consumidor, cujo anteprojeto foi elaborado por qualificada comissão de juristas, veio ao encontro de forte anseio da sociedade de consumo ao oferecer proteção à parte mais frágil da relação de consumo. Talvez tenha sido esse um dos mais importantes impulsos para que o mercado brasileiro alcançasse essa escala pujante sem tantas mazelas aos indivíduos.

Rememorando o que de importante aconteceu, já em 1962 o então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, em famoso discurso dirigido em 15 de março daquele ano, lembrava que todos somos consumidores. De fato, desde as primeiras horas do dia, ao comprar pão na padaria, usar o transporte coletivo, o telefone celular, a água e a energia elétrica residencial, vários atos de consumo são realizados.

Já na década de 80, a Organização das Nações Unidas resolveu orientar todos os países que defendessem os consumidores, sendo que, no Brasil, era criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e, com a Constituição Federal, a figura do consumidor passou a ser positivamente confundida com a de cidadão.

Há exatos 20 anos, a lei brasileira veio a lume. Surgiu como um modelo internacionalmente consagrado e conhecido, de proteção integral, que olha e protege o consumidor em todos os momentos e sob os mais diversos aspectos: saúde, segurança e qualidade dos produtos e serviços, publicidade, contratos, cobrança de dívidas, serviços de proteção ao crédito, entre outros. Não se trata de tutela cega ou incondicional, como frequentemente se alega, mas de concretização de diretriz básica, delineada pela Constituição Federal, no sentido de tratar de modo desigual pessoas diferentes, buscando sempre o equilíbrio da relação.

Nem tudo são flores, porém. A defesa do consumidor enfrenta diversos desafios decorrentes da natural concentração de poder econômico dos fornecedores que são mais determinados na formulação de suas estratégias e organizados para alcançarem seus objetivos. De outro lado, o consumidor conta com o incansável auxílio das entidades de defesa do consumidor, do Ministério Público e das defensorias públicas, especialmente por intermédio das ações coletivas e ações civis públicas.

Os Procons e a organização nacional da defesa do consumidor são pontos fortes que, mesmo em fase de constante consolidação e aprimoramento, permitem que problemas nacionais e regionais sejam raciocinados e solucionados de modo coletivizado e mediante a cooperação de inúmeros outros órgãos. No campo dos serviços públicos, especialmente os regulados, ainda há forte descompasso entre o Código e a prática dos prestadores, assim exigindo maior comprometimento de agências como a Anatel, o Banco Central e a Anac lembrando que telefonia, bancos e transportes aéreos são campeões de reclamações.

No ensejo dessa comemoração, aproveitamos para prestar justa homenagem a quatro artífices (craques) na construção dessa história, todas elas mulheres: Marilena Lazarini, que impulsionou e abraçou a causa desde as primeiras horas; Ada Pellegrini, arquiteta do Código; Nancy Andrigui, externando sempre a preocupação de não haver retrocessos; e Cláudia Lima Marques, pensadora incansável do futuro da proteção dos direitos e garantias de todos os consumidores: todos nós!