Título: BC "caiu numa armadilha" com a meta de inflação, diz Ibrahim Eris
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2004, Finanças, p. C-2

O Banco Central, que foi acertadamente na semana passada ao mercado comprar uns poucos dólares e, com isso, conseguiu sinalizar aos investidores que não admitiria novas valorizações do real, pratica neste momento uma política contraditória. A contradição está em manter o juro alto, o que ajuda a valorizar o real. A opinião é do economista e ex-presidente do BC, Ibrahim Eris, para quem a autoridade monetária "caiu numa armadilha" - presa a uma meta de inflação muito ambiciosa para o próximo ano, quando a economia mundial continuará a enfrentar um processo delicado de realinhamento do dólar. "A realidade do mundo é que todo mundo está apostando contra o dólar. Antigamente, quando apostava-se contra o dólar, você comprava euro e iene. Era esse o jogo", diz Eris, que falou ao Valor tendo ao lado os movimentos do mercado financeiro na tela do computador. Agora, observa, o jogo mudou. Nos últimos anos, explica, quando veio a percepção de que o dólar precisava de uma nova onda de desvalorização, veio junto a constatação de que países emergentes, como Índia, China, Rússia e Brasil, se transformaram. "São países com políticas responsáveis com resultados que saltam aos olhos. Especialmente as contas externas desses países melhoraram uma barbaridade e há estabilidade interna também nessas economias. Hoje já são vistos como um grupo de países que pode contribuir para a estabilidade mundial. Logo vender dólar contra essas moedas também virou parte do jogo", diz Eris. O Brasil, além de apresentar um quadro macroeconômico estabilizado, com inflação sob controle, "paga um juro extraordinário. Logo apostar em real ficou mais atraente ainda". Por isso, "se o BC não tivesse dado nenhum sinal aos mercados, ao defender o real contra esse movimento, provavelmente o real iria continuar se valorizando". Ele elogia a intervenção feita pelo BC e torce para que esse movimento continue sendo feito com firmeza e convicção, o que não significa ir ao mercado comprar dólares todos os dias. E nem é preciso. Mas se intervir no câmbio é correto, manter a Selic nas alturas, em 17,25%, com grandes chances de subir a 17,75% nesta semana, é um tiro no pé. "O BC caiu numa armadilha. Fixou uma meta de inflação para 2005 muito ambiciosa. Até corrigiu, de 4,5% para 5,1%. Mas ainda assim ficou muito ambiciosa. O elo mais fraco de nosso sistema de metas inflacionárias no momento é a discussão sobre fixação das metas. Isso é feito de uma maneira quase irresponsável", diz o ex-presidente do BC, que já foi contra o Brasil adotar o regime de metas de inflação. Hoje, reconhece que não é mais possível sair dele, mas defende a necessidade de aperfeiçoamentos. Sua crítica mais veemente é sobre a maneira como se define a meta de inflação. "O debate não é transparente. Não há um fórum de debate. O Conselho Monetário Nacional, que consiste de três pessoas, se fecha numa sala e cospe um número para fora". Lembra que, se no ano passado a autoridade monetária tivesse ampliado a discussão para definir a meta, "eu tenho certeza que alguém teria se lembrado de dizer que sempre que se está saindo de uma recessão ou de uma estagnação, que nós estávamos vivendo, para um crescimento maior surgem pressões inflacionárias. Não tem como evitar. Nesse processo, a economia está se adaptando a um novo ritmo". Sair de uma economia estagnada em 2003, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,5%, segundo dados corrigidos recentemente pelo IBGE, para um crescimento que pode superar 5% neste ano não comporta uma inflação de apenas 5,5% - o centro da meta para este ano, cujo teto é de 8%. A boa notícia é que, pela primeira vez em três anos, o país vai cumprir a meta. O centro não será atingido, mas o IPCA, medido pelo IBGE, deve ficar abaixo do teto de 8%. O problema é que o BC insiste em dizer que quer atingir o centro. "Se ele dissesse que é a banda, eu ficaria tranqüilo. Eu acho que estamos gastando muito esforço, muito PIB para atingir o centro da meta. Nossos modelos no BC não têm precisão para isso. O BC não tem exatidão para calibrar e atingir centro de metas", afirma Eris. Considera que o modelo ainda é muito rígido e uma forma de torná-lo mais eficiente seria não mais considerar centros de meta, mas bandas. O regime de metas deve ser flexível. Ele dá um exemplo. "Se tivéssemos um debate mais organizado, talvez chegássemos à conclusão de que 2005 não era um ano para diminuir a meta de inflação. Possivelmente, até aumentar a meta. Eu não vejo nada de errado nisso". Mas do jeito que está colocado o desafio ao BC, que insiste em dizer que está mirando o centro da meta em 2005, que é de 5,1%, Eris prevê várias rodadas de aumentos na Selic até março. Se a produção da indústria - pois o desempenho da agricultura já está dado - continuar crescendo até lá de maneira menos robusta, o BC poderá, então, começar a pensar em interromper o movimento de alta. A partir de abril, lembra, o BC já estará iniciando o processo de calibrar a inflação do ano seguinte. "Em 2006 teremos eleições e ninguém pode esquecer isso." No ambiente internacional de realinhamento de moedas - inédito porque é acompanhado de um déficit em conta corrente nos Estados Unidos de 6% do PIB - Eris nota que o cenário mais provável é que se faça um ajuste gradual, com aumentos moderados nos juros americanos. "Se houver coordenação entre os bancos centrais (americano, europeu e japonês), esse processo pode ser um pouco mais limpo e menos custoso. Se a China topar desvalorizar o yuan, ajuda ainda mais", diz ele. Mas, se esse processo não for coordenado, "o que hoje é um mar de rosas para o Brasil, pode virar um inferno". Se houver uma corrida mais forte contra o dólar, os juros americanos teriam que subir substancialmente. E isso certamente tiraria os investidores dos mercados emergentes para os Estados Unidos. "Eu não estou prevendo isso, mas o risco que enfrentamos nesse processo é esse."