Título: Aposentadoria vai ter de mudar outra vez
Autor: Solange Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2004, Especial, p. F-3

Especialistas avaliam que em breve será feita mais uma reforma da Previdência. E, dessa vez, governo e congressistas terão de se debruçar sobre o problema da aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada. O teto de R$ 2.400, por exemplo, pode estar com os dias contados. É que a queda da taxa de natalidade, principalmente nos grandes centros, e o crescimento da expectativa de vida, mexeu com a pirâmide demográfica brasileira. Ela está emagrecendo na base e engordando no topo. "Com a tendência de envelhecimento acelerado da população brasileira, ou o trabalhador se aposenta mais tarde, ou passa a pagar uma alíquota maior, ou o teto é reduzido, ou ainda cria-se uma quarta alternativa combinando essas três variáveis", diz o diretor da Real Seguros, Edson Franco, a respeito da crise da Previdência Social. O descasamento entre receita e despesa também ocorreu em outros países do mundo onde o regime previdenciário era o de repartição, ou seja, em que os trabalhadores ativos contribuem para o pagamento do benefício dos aposentados. "Os sistemas previdenciários do mundo inteiro deverão ser reformados periodicamente para adequar às mudanças demográficas. A reforma vai ter de entrar na pauta novamente", constata o vice-presidente da Sul América, Renato Russo. No Brasil, a situação ficou mais crítica com o crescimento do mercado de trabalho informal. Apesar de ostentar uma população economicamente ativa de 83 milhões de pessoas, o país registra apenas 30 milhões de trabalhadores formais (aqueles com carteira assinada). São eles que contribuem regularmente para o INSS pagar a aposentadoria de cerca de 23 milhões de inativos. "Quando a proporção cai para algo em torno de dois ativos para cada aposentado, seria preciso cobrar uma barbaridade dos ativos para atender aos aposentados", diz o consultor Paulo Hirai, da Milliman, reafirmando a urgência de uma nova reforma. A reforma feita no governo Lula tratou da aposentadoria do funcionalismo público federal, estadual e municipal. A reforma anterior, feita por FHC, mudou algumas regras, mas não solucionou o problema. As principais mudanças feitas em 1999 foram: a criação do fator previdenciário, a troca do tempo de trabalho pelo de contribuição para a contagem da aposentadoria e o cálculo do benefício deixou de ser feito pela média dos três últimos anos de trabalho para considerar a média de toda a vida laboral. Para os especialistas, a nova reforma será ainda mais rígida e os benefícios tendem a ser menores. Hoje, 67% dos aposentados pelo INSS ganham um salário mínimo. Enquanto o sistema público naufraga, as empresas de previdência privada nadam de braçada. Em 1996, as companhias de previdência privada aberta tinham R$ 3 bilhões de reservas. Em 2002, somavam R$ 30 bilhões e a previsão é de que fechem o ano com reservas superiores a R$ 60 bilhões. Segundo a Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp), o setor comercializou mais de 7 milhões de planos de aposentadoria e a expectativa é que as vendas cresçam ainda mais com a estabilidade econômica e as incertezas do INSS. Até trabalhadores que ganham menos que o teto de R$ 2.400 e, teoricamente, estariam cobertos pela Previdência Social, estão comprando planos de aposentadoria complementar. O raciocínio é simples: a Previdência Social não tem por objetivo garantir ao trabalhador a manutenção de seu padrão de vida quando parar de trabalhar, e sim evitar a pobreza absoluta dos idosos. Quem quer qualidade de vida terá de buscar uma alternativa fora do sistema público. Para isso, o mercado oferece os PGBLs (Plano Gerador de Benefício Livre) e os VGBLs (Vida Gerador de Benefício Livre). No PGBL o participante pode deduzir as contribuições da base de cálculo do Imposto de Renda (IR), até o limite de 12% da renda bruta anual. Já o VGBL foi formatado para quem declara Imposto de Renda no modelo simplificado, por isso, durante o período de acumulação, os recursos aplicados ficam isentos de tributação sobre os rendimentos. O IR incide somente no resgate e apenas sobre os rendimentos auferidos. A partir de janeiro, haverá uma nova família de PGBLs e VGBLs com vantagens fiscais para os participantes que mantiverem suas aplicações por longos períodos. A versão corporativa desses produtos, formatada para as empresas oferecerem aos seus funcionários, registrou um aumento de 27% no volume de vendas nos últimos 12 meses e está se tornando um diferencial de Recursos Humanos. Há 15 anos, a grande maioria das empresas não oferecia benefícios como planos de saúde, seguro de vida, tíquete-refeição ou auxílio-creche para seus funcionários. Hoje, as companhias que querem atrair e segurar bons profissionais oferecem tudo isto e algumas incluem no pacote o plano de previdência. "Atualmente um ponto fundamental de atração de mão-de- obra é oferecer plano de saúde. O plano de previdência ainda não está nesse nível, mas deve chegar em breve", diz o diretor comercial da área Corporate da Icatu Hartford, Carlos Garcia. "O plano de previdência ainda não está neste patamar, mas deve chegar em breve." Aproximadamente 70% das grandes empresas oferecem planos de previdência aos seus trabalhadores, seja por meio do PGBL e VGBL ou como fundo de pensão próprio ou multipatrocinado. Antes mesmo de a reforma da Previdência entrar na pauta em Brasília, o setor de previdência aberta elabora propostas para criar um sistema híbrido, combinando o sistema público com outro que amplie a participação da iniciativa privada na captação de recursos para a aposentadoria. "A nova previdência precisa estar baseada em três pilares", explica o presidente da Anapp, Osvaldo do Nascimento. "Uma previdência social que garanta o mínimo de US$ 200, uma previdência complementar obrigatória e uma previdência complementar opcional." Pela proposta da Anapp, a previdência complementar obrigatória seria oferecida pela empresa, teria um aporte feito pelo empregado e utilizaria até 30% dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Esse recurso, apesar de formar poupança para a aposentadoria, estaria sujeito às mesmas regras de saque que regem o FGTS. "Não adianta gerar mais despesa para a empresa. O importante é dar oportunidade de compartilhar a despesa com algo mais útil para o trabalhador", afirma Nascimento. "O que desestimula as empresas é a cadeia tributária que incide sobre a atividade produtiva. O empresário paga PIS, Cofins, INSS, FGTS e a previdência privada passa a ser uma despesa a mais para ele." Aquele que quisesse um benefício ainda maior teria a opção de comprar um outro plano no mercado. Para os trabalhadores da economia informal, a Anapp propõe um modelo misto em que 70% da contribuição vá para a Previdência Social e 30% fique em uma conta de previdência do próprio contribuinte. O presidente do Conselho de Administração da Icatu Hartford, Nilton Molina, propõe que o limite de benefício da Previdência Social seja estabelecido entre um mínimo que seria o valor da cesta básica e um máximo que seria a renda per capita brasileira - hoje em torno de R$ 800. As pessoas com salário acima desse teto iriam para a previdência complementar.