Título: Ciro diz que mantém projeto de disputar Presidência da República
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2011, Política, p. A6

Após meses dedicando-se a dar palestras e a organizar o PSB do Ceará para as eleições municipais de 2012, o ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes diz ter a sensação de não estar realizando nada. Em passagem por Brasília para fazer uma palestra, afirmou ao Valor que não pretende disputar novo mandato legislativo "nem sob tortura" e que mantém seu projeto pessoal de disputar a Presidência da República. Afirma, no entanto, que não brigará por isso. Segundo ele, uma eventual candidatura do presidente do PSB, o governador Eduardo Campos, não está decidida e nem foi discutida na legenda. Ciro deixa aberta a possibilidade de aceitar eventual convite da presidente Dilma Rousseff para compor o governo.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor tem se dedicado a organizar o PSB no Ceará. Qual é o seu projeto pessoal?

Ciro Gomes: Estou numa transição terrível, dificílima. Nunca pensei que fosse ser mais difícil do que parar de fumar [parou há mais de um ano]. Disputar eleição não quero mais, mas, quando fico pensando no que estou fazendo de rotina, a sensação é de que não estou fazendo nada. Faço cerca de quatro palestras por mês e ganho uma boa grana - R$ 60 mil a R$ 80 mil por mês -, mas parece que não estou realizando nada.

Valor: O que não quer é mandato legislativo?

Ciro: Juro que nunca mais. O único que tive na vida, porque o partido estava precisando, foi de deputado federal. E foram quatro anos de sofrimento. Eu vou morrer mais cedo uns 12 anos por conta desses quatro anos.

"Nunca mais quero esse tipo de mandato [legislativo]. Nem sob tortura. Foram quatro anos de sofrimento"

Valor: Por quê?

Ciro: O que está acontecendo na Câmara federal é uma crise institucional crônica. Na minha legislatura, eu, cheio de ideias, fui ver como apresentá-las para orientar o mandato. Aí vi o seguinte: 20 mil proposituras pendentes de deliberação e a média de deliberação da Câmara é de dois projetos por semana. Se nenhum projeto novo fosse apresentado, nós precisaríamos de 10 mil semanas para limpar o que está lá. Não funciona. São 513 deputados e o palavrório do século XIX ainda é a tônica. Uma conversa mole. E não tem uma organização que faça convergir uma inteligência - que é muito grande ali, como o espírito público e a decência também são. Mas a mecânica é um negócio fragmentário. Na crise econômica de 2008, a Câmara não parou para discutir o assunto um minuto. O cara se inscreve para falar cinco minutos para fazer homenagem ao padre fulano. Se o orador seguinte falasse sobre a mesma tese, alguma inteligência iria convergir para algum assunto. Mas tem um sorteio. E naquele dia, se eu for sorteado, eu tenho que falar, sem ter nada para dizer. E no dia que tenho o que falar, não posso, porque o cara sorteado está interessado em falar sobre a importância da azeitona. Para compensar, tentaram criar mediações. São o colégio de líderes e a Mesa. Mas as minorias ativas e a ingerência do Planalto fraudaram a lógica do coletivo. Os líderes não têm nada de líderes. Quanto à Mesa, tudo se resolve no Palácio do Planalto. Tem acertos tenebrosos.

Valor: O deputado vale pouco?

Ciro: Não vale nada. Eu, acostumado a trabalhar, um cara ativo, a única coisa que fiz nos quatro anos de mandato foi um substitutivo da Lei do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Nunca mais quero esse tipo de mandato. Nem sob tortura.

Valor: O Senado poderia ser opção, se seu irmão, Cid Gomes, deixasse o governo do Ceará antes, para que o senhor pudesse disputar?

Ciro: O Senado muda um pouco, porque você pode falar. Mas meu plano também não é esse. Acho que o Cid deve ficar no governo até o fim, trabalhar a sua sucessão. Nesse caso, eu só poderia disputar a Presidência da República, que é o que eu admito, mas não brigo mais.

Valor: Então o senhor mantém o antigo projeto?

Ciro: Claro, não sou mentiroso. Já disputei duas vezes, não vou andar mentindo por aí que não quero. Só não vou mais brigar.

Valor: Mas no PSB parece já estar definido que é a vez do governador Eduardo Campos (PE).

Ciro: Por quem? Essa discussão nunca aconteceu.

Valor: Mas ele é colocado como candidato a presidente ou a vice.

Ciro: Eu acho que ele pode ser candidato, deve ser candidato, tem todas as condições de ser candidato, mas quero saber que candidatura é essa. Por que é melhor do que a minha, honestamente. Qual é o conteúdo, o projeto.

Valor: Defende prévias caso não seja possível uma definição entre vocês dois?

Ciro: Claro, prévias. Senão, se resolve tudo em gabinete, como aconteceu na sucessão passada. Seis pessoas decidiram. Ele tem meu apoio sem nenhum problema, desde que essas pré-condições sejam resolvidas. Tem uma coisa simples. Até você conhecer 342 municípios de Minas Gerais tem um tempo. Até o cara saber a repercussão do reflorestamento como alternativa ao colapso da bovinocultura extensiva no Rio Grande do Sul demora. E também demora saber qual é o impacto da BR-163, a Cuiabá-Santarém, no seu entorno.

Valor: Eduardo Campos tem experiência restrita a Pernambuco?

Ciro: Não. Ele tem todos os dotes. Estou dizendo é que para uma candidatura ter sentido precisa ter estrada, projeto, argumento. Tínhamos um candidato com 15% numa eleição com uma candidata desconhecida [Dilma Rousseff, do PT] e outro desgastado [José Serra do PSDB]. Tínhamos chance, no mínimo de jogar o jogo de um segundo turno valendo ouro. O partido desistiu por quê? E agora, que fazemos parte de um governo, com uma candidata que está ganhando popularidade e se constituindo uma boa governante, vamos lançar candidato contra. Qual é a explicação? Em qualquer circunstância, temos que manter a correção moral e a lealdade com a Dilma.

Valor: Na sucessão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o partido não permitiu sua candidatura, a situação era outra?

Ciro: Nós tínhamos acompanhado o Lula nos dois governos. Cumpri minha obrigação com o país, me expus sem reservas na defesa do Lula, quando uma escalada golpista quis derrubá-lo. Não tinha nenhum passivo. Um ciclo estava se encerrando. O partido deveria ter candidato ali. Não consegui. Agora, nós somos parte do governo da Dilma. Participamos do governo. Se queremos sair, temos que ser corretos com ela. Não tem sentido ser na última hora.

Valor: Quando deve ser a decisão?

Ciro: Vai haver uma tensão muito séria [entre os partidos aliados] nas eleições municipais. O próprio Lula já me falou pessoalmente, de boa fé, que o plano dele é fazer um partido só. Ele acha que no Brasil não tem sentido ter esse monte de partidos. A intenção do PT é de aniquilar essas frações. É o pensar do Lula. Vai ter uma tensão muito grande nas eleições e temos que ser leais com ela na sequência. Passadas as eleições, temos que avaliar o quadro.

Valor: Se não tiver espaço no PSB, pode trocar de partido?

Ciro: Eu tive que enfrentar essa especulação, enquanto organizava o PSB no Estado. O que me perseguiu a vida inteira foi uma inconstância partidária, provocada por situações que foram surgindo. Parei com isso.

Valor: Como vê a gestão Dilma?

Ciro: É um governo que se guia sem projeto. Ela herdou assim e não constituiu um projeto. Também, com a massa crítica que ela tem, é impossível. Até o PAC, que tem uma gestão especial, que é um rudimento ínfimo de planejamento que resta, está passando 17% abaixo de execução em relação ao ano passado. A população está percebendo que ela recebeu uma equipe, fruto da injunção político eleitoral e está tendo que consertar essa equipe na medida dos escândalos ou das contradições. O povo brasileiro, à custa do pragmatismo do Lula, está numa de que a política é assim mesmo. Dilma, pelo menos, não tem compromisso com o erro. Pilhado, ela põe pra fora. No segundo mandato, o Lula contemporizou mil coisas. Eu sei o que ele pensava do Eduardo Cunha [deputado do PMDB do Rio de Janeiro] e deu Furnas para ele depois de ser chantageado pelos jornais. O que tem de novidade é que Dilma não ter compromisso com o erro.

Valor: A reforma ministerial vai ser a oportunidade para ela começar o governo dela?

Ciro: Menos por moralismo e mais por eficiência. Tem outro lado que não está sendo feito na política. Quem é que está construindo a base de sustentação da Dilma? O Lula tinha uma ascendência automática sobre o PT, que ela não tem. Você vai ver a confusão que o PT vai causar para ela. O partido viu o ministro do Esporte balançar e quis o ministério. Está vendo o ministro do Trabalho balançar, quer a pasta. Isso tudo gera sequela. No começo de governo, todo mundo engole. Mas a popularidade cai, a economia vai esfriar, haverá confusão na eleição municipal e reflexos da crise econômica no Brasil. E essas vinganças estão todas se acumulando no Congresso, por parte de quadrilhas, grupos e partidos. O PCdoB teve que mostrar os dentes para segurar o ministério. O PDT, o PR, o PMDB... E quem é que está fazendo o trabalho, quem está demonstrando Maquiavel para essa gente? A Ideli [Salvatti, ministra das Relações Institucionais] é maravilhosa, valente, leal, correta, mas não tem vivência.

Valor: O senhor aceitaria compor o governo?

Ciro: Na formação do governo, ela [Dilma] me privilegiou com a possibilidade de trabalhar com ela. Pedi para me dispensar e mais ou menos antecipei essas coisas para ela, que haveria uma crise. Eu disse: nessa hora, se você precisar de mim, conte comigo.

Valor: Muita irregularidade no governo ainda virá à tona?

Ciro: Se for atrás desse nível de vulgaridade, o céu é o limite. E muita coisa pior nem vai aparecer, porque esses que fazem a retórica moralista estão entranhados até o gogó no assunto: bancos, Petrobras, grandes empreiteiras...

Valor: O que um candidato a presidente poderia propor ao país?

Ciro: Não sou candidato. Admito ser, é diferente. O que acho nesse assunto é que a gente tem que disputar no primeiro turno com a cara limpa. Essas [alianças] são as deformações. O mercado secundário de tempo de televisão é uma das maiores corrupções do sistema democrático brasileiro. É para isso que existem essas arapucas, que não têm responsabilidade nenhuma, tipo PMDB. Não tem responsabilidade nenhuma, com nada. Eles só se impõem - os grandões - para obrigar todos os governos a entregar para eles, depois brigam para repartir o butim. Então, que cada partido apresente-se com seu rosto, suas propostas.