Título: Pulverizada, inflação de serviços cresce a conta-gotas
Autor: Martins,Arícia
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2011, Especial, p. A12

Nos últimos 12 meses, a alta de preços da manicure, do barbeiro, do pet shop da esquina, do lava-rápido do carro e do tintureiro, entre outros serviços do dia a dia, já soma 9% - percentual acima da média da inflação oficial que foi de 6,97% na mesma comparação. Ao contrário do que ocorre em alimentos (que sobem na entressafra e trazem algum alívio na safra) ou na educação (que incomodam forte uma vez por ano), a inflação nesse setor é muito mais pulverizada, e cresce um pouco todos os meses, quase a conta-gotas, criando uma verdadeira espiral.

A pulverização decorre da própria composição do setor. Em 2009, existiam no Brasil mais de 1,9 milhão de micro e pequenos estabelecimentos de serviços, segundo dados compilados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com base no Relatório Anual de Informações Sociais (Rais). Também atuam na economia outros 1,7 milhão de microempreendedores individuais, a maioria em serviços.

O aumento do emprego e da renda e o consequente aquecimento da demanda - que criaram um ambiente confortável para o setor de serviços segundo avaliação de 10 entre 10 economistas - são pouco lembrados pelos donos destes pequenos estabelecimentos na hora de enumerar os motivos que os levaram a reajustar suas tabelas de preços. Suas razões são muito mais concretas - aluguel e mão de obra - e sua periodicidade, afirmam, muito menos frequente do que os índices de inflação fazem crer. E a concorrência, dizem, existe no setor.

Em agosto, a cabeleireira e manicure Mari, que trabalha sozinha em um pequeno salão no Ipiranga, zonal sul de São Paulo, tentou sem sucesso subir de R$ 24 para R$ 28 o preço combinado dos serviços de manicure e pedicure. "Os clientes reclamaram e eu acabei deixando em R$ 26". Como não tem funcionários, seu maior custo - cerca de 30% do total - é o aluguel, reajustado pelo Índice de Preços Geral - Mercado (IGP-M), que subiu 11,3% em 2010. Ela também reclama que os esmaltes estão com um preço "absurdo". "Antes eu comprava um desse a R$ 1,69, agora custa mais de R$ 3,30", diz, mostrando um vidro azul petróleo que virou hit entre suas clientes.

Na região comercial da avenida Francisco Matarazzo, na zona oeste da cidade, o patamar de preços é outro. No entorno da avenida, não se encontra um salão que cobre menos de R$ 35 para fazer manicure e pedicure. Ainda assim, a dona do M. Sisters, Ana Maria Vicente, se queixa que, para ter um lucro "razoável", sua tabela de preços teria que subir mais 20%, em média.

"Sobe o gás, o aluguel, os esmaltes, a acetona, o salário da menina da limpeza, sobe tudo, mas eu não quero ser a mais careira", comenta, enquanto o telefone não para de tocar. São clientes que querem marcar horário com antecedência para o sábado em plena quarta-feira. Da última vez que subiu seus preços após o aumento do aluguel, que pesa 25% no orçamento, Ana ouviu algumas reclamações, mas diz que depois as pessoas acabam se acostumando.

Além do aluguel, a microempresária também aponta a folha de pagamento das cinco funcionárias - que ficam com metade do preço cobrado pelos serviços - como outro dispêndio importante. Uma depiladora ganha, em média, de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil, e uma manicure, cerca de R$ 1 mil. Além do salário pelos serviços que prestam, elas também recebem o valor da condução e o material de trabalho diretamente da dona.

A proprietária do salão R.S. Studio, Silvia Assis, que está há um ano e meio nas redondezas, afirma que não pode cobrar na filial os mesmos preços da unidade dos Jardins, na Alameda Jaú, onde o serviço de manicure e pedicure custa R$ 44 e o corte feminino, R$ 83. "Não posso concorrer com os meus vizinhos assim". Segundo ela, o salão da Pompeia, diferentemente do outro, "só se paga", sem lucro ou prejuízo. Em breve, no entanto, os preços da unidade, no momento iguais aos da concorrência, vão subir, conta Silvia. "O aluguel sobe em novembro e precisamos fazer caixa para janeiro, quando cai o movimento."

Cuidar da beleza e da saúde dos animais de estimação também está mais caro. O aumento do item veterinário em 12 meses é superior ao da taxa geral de serviços: 9,6% no IPCA. O movimento nos pet shops tem crescido muito ultimamente, o que não é sinônimo de lucros maiores, alegam os donos. Eles "culpam" a concorrência.

"Não podemos subir mais o preço porque tem um pet shop a algumas quadras daqui, outro um pouco mais pra cima e um outro aqui do lado", conta o veterinário Isi Miguel Grinberg, um dos sócios do pet shop Online, há três anos em Perdizes. Ainda assim, alguns serviços são um pouco mais caros do que a concorrência: o banho em um cachorro pequeno custa R$ 25 (a média na região é R$ 23), e a consulta veterinária, R$ 85 (em pet shops próximos, custa R$ 75).

O outro sócio, Luís Inácio Júnior, afirma que o diferencial de preço é explicado pela folha de pagamento - os quatro funcionários são registrados. "Em agosto, tivemos o dissídio coletivo do Sindicato dos Comerciários e o reajuste do aluguel, mas não repassamos tudo para os clientes", diz. Os preços subiram, em média, 8,5%, sendo que os sócios apontam 15% como o aumento "justo". "Mas tem mais pet shop nesse bairro do que padaria e farmácia", queixa-se Júnior.

A alguns quarteirões dali, na mesma rua, a veterinária Daniela Valencia Medina cobra R$ 100 pela consulta e R$ 20, em média, pelo banho. Subiu em cerca de 20% os preços no começo do ano, após o aumento do aluguel, reajustado pelo IGP-M. Com apenas um funcionário, ela economiza até na faxina para manter seus preços. "Sou faxineira, motorista, veterinária... Faço isso para me manter aqui".

Exceção na região, a veterinária Fabiana Kristensen não mexeu em seus preços desde que abriu o Amado Pet, há um ano, para tentar conquistar clientes, já que seu estabelecimento é mais novo. Para se diferenciar, oferece cuidados como acupuntura e fisioterapia chinesa aos animais, mas conta que o serviço mais procurado é a venda casada de banho e tosa, pela qual cobra em média R$ 25.

"A única coisa que eu fiz nesse quase um ano foi começar a cobrar entre R$ 2 e R$ 5, dependendo do lugar, para levar e buscar os cãezinhos". A veterinária já sente que precisa reajustar alguns preços, como a consulta, que custa R$ 75, mas vai fazer primeiro uma pesquisa na região.

O conjunto de custos fixos é o que mais pesa no orçamento de uma pequena empresa, que, à medida que cresce, vai mudando sua estrutura de gastos, explica Salvador Serrato, consultor de finanças do Sebrae-São Paulo. "Pequenas empresas têm maior necessidade de repassar seus custos fixos. O importante é crescer para viabilizar o rateio da estrutura."