Título: Lula reúne-se com governistas para contornar crise
Autor: Maria Lúcia Delgado e Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Política, p. A9
Em meio à crise no PMDB, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ontem, no Palácio do Planalto, os ministros do partido - Eunício Oliveira (Comunicações) e Amir Lando (Previdência Social) -, os líderes partidários no Senado e na Câmara e o presidente do Senado, José Sarney, num claro gesto político de que o governo continuará a privilegiar tais interlocutores e preservará os cargos do partido no primeiro e segundo escalões. Enquanto Lula põe em prática a decisão de negociar com o PMDB governista e ignorar a ala oposicionista do partido, os políticos da legenda que querem manter-se no poder dão prosseguimento à guerra jurídica para anular as decisões da convenção nacional, realizada no último domingo, que decidiu romper com o governo. O próximo round será no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), um dos convidados por Lula para o encontro de ontem, considera delicado manter a coalizão só com o apoio das bancadas. O PMDB tem a maior bancada no Senado e a segunda maior da Câmara. Sem os votos do partido, o governo não tem maioria: "Fazer maioria congressual por cima dos partidos é muito ruim. Podem ensejar o fisiologismo com essa coisa de catar galinha. Isso significa uma articulação política pontual, trabalhosa, e que, invariavelmente, descamba para o fisiologismo. É ruim para o ideário programático de qualquer partido e é ruim para o governo". A ala governista do PMDB protocola hoje no STJ uma reclamação questionando a legalidade da decisão da convenção nacional, que por 381 votos a 10 optou por entregar os cargos que possui no governo. Além de dois ministérios, o PMDB tem as presidências dos Correios, do INSS, e da Transpetro. Por 384 votos (num total de 396), os presentes na convenção decidiram lançar candidatura própria à Presidência da República. A primeira medida dos governistas ontem foi pedir a ata completa da convenção, por intermédio do senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Na visão dos governistas, a convenção foi totalmente ilegal e suas definições não devem ser seguidas. A ala pemedebista que hoje está no poder havia conseguido uma liminar para suspender a realização da convenção, mas no início da noite de domingo os oposicionistas impetraram mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e conseguiram manter o encontro. "Essa decisão do TJ não resiste ao menor sopro de bom senso jurídico. O que aconteceu na convenção foi um horror", reagiu Calheiros ontem. Segundo o senador José Sarney, a crise é "muito grave", mas as bancadas do PMDB na Câmara e no Senado permanecem apoiando Lula. O senador disse que todas as decisões da convenção são inteiramente ilegais. Ele fez críticas ao presidente da legenda, deputado Michel Temer, que foram endossadas por Calheiros: "Ele não conduziu (a convenção) como presidente do partido, mas de uma maneira muito facciosa, estimulando a divisão", disse Sarney. "Respeito muito o deputado Michel Temer, mas um presidente de partido tem que mediar correntes, e não ser vanguarda de uma delas. Ele se excedeu", reforçou Calheiros. Temer e Calheiros conversaram ontem por telefone. Na avaliação de ambos, qualquer tentativa de acordo ainda demanda tempo. Ontem, o presidente do PMDB passou o dia em São Paulo. Ele insiste na tese de que os ministros e pemedebistas que tiverem cargos no governo e se recusarem a cumprir a decisão da convenção terão que se desligar do partido. Eunício Oliveira, também em São Paulo, onde participou pela manhã de seminário sobre o setor de telecomunicações, já avisou que não reconhece o resultado da convenção e, por este motivo, não sai nem do governo, nem do partido. "Não temos nenhuma preocupação com o resultado da convenção. Não há o que seguir. Os ministros não vão entregar os cargos", enfatizou Calheiros. O líder pemedebista disse que procura agir como bombeiro. Há políticos no partido que estão trabalhando internamente por um acordo, como o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique. O ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Jaques Wagner, disse ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer definir quem são os interlocutores dentro do partido. "O presidente vai institucionalizar os interlocutores. O presidente quer saber com quem pode contar de imediato, mas também quer contar com cada vez mais gente no futuro", afirmou. Para o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, a saída do PMDB da base aliada não deverá causar problemas de governabilidade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Ainda que possa causar aqui e acolá alguma dificuldade, não acarretará uma dificuldade estrutural de governo." Na avaliação dele, o racha no PMDB é um problema interno do partido e que já acontece há anos. Para Gushiken, ficou evidente a divisão, que colocou de um lado o aparato da estrutura partidária e de outro, as representações do Poder Legislativo: "Todos os governos no passado vivenciaram esse drama. Isso dificulta? Não sei dizer." No Rio e depois de participar do seminário "Cenários 2005 - Perspectivas e Tendências", na sede da Federação do Comércio do Estado (Fecomércio-RJ), o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, afirmou que os ministros e parlamentares do PMDB e do PPS que compõem a base do governo continuarão a apoiar a administração de Lula. "Eles vão continuar a apoiar o governo. Vamos esperar o fim do ano: 2005 é um novo ano e vamos trabalhar nisso".