Título: Salário mínimo e fontes de financiamento
Autor: Ilmar Silva, Jefferson da Conceição e Patrícia Pel
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Opinião, p. A12

A fixação do salário mínimo desempenha papel importante na economia brasileira, ao contrário do que afirmam algumas análises recentes. Equivoca-se quem considera que o salário mínimo afeta apenas aquela parcela de 1,04 milhão de trabalhadores com carteira assinada que recebe exatamente o valor do piso. Existem, no mercado formal de trabalho, 10,4 milhões de pessoas que recebem de 0 a 2 salários mínimos. Incluindo-se aqueles que estão no mercado informal, chega-se a um total de 42 milhões, que recebem apenas até 2 mínimos. O aumento do salário mínimo, direta ou indiretamente, tem reflexos sobre todos esses rendimentos. Não bastassem estes argumentos quantitativos, deve-se notar que o salário mínimo é referência para o piso previdenciário, o valor do seguro-desemprego e o auxílio-maternidade. A perda do salário mínimo não foi em sua importância, mas em seu poder aquisitivo. O salário mínimo atual representa apenas 1/3 do seu valor de 1940, quando foi instituído. Se compararmos com o salário de 1980, ele vale hoje menos da metade. O salário mínimo necessário, para atender o trabalhador e sua família, conforme prevê o artigo 7º da Constituição Federal de 1988, foi calculado pelo Dieese em R$ 1.440,00, para o último mês de outubro. Ou seja, o salário mínimo necessário é quase seis vezes superior ao salário efetivamente em vigor. A política de valorização do salário mínimo requer dois momentos de ação. O primeiro é a busca da fixação no Orçamento da União de 2005, atualmente em discussão no Congresso Nacional, de um aumento real mais elevado para o salário mínimo. A atual peça orçamentária prevê um valor de R$ 283,00. Isso significa um reajuste próximo a 9% (inflação mais aumento real de 3,1%). As centrais sindicais defendem o salário mínimo de R$ 320,00 para o ano que vem. Porém, tão ou mais importante, é a elaboração de uma política de recuperação de longo prazo (2005-2025) para o salário mínimo. Acreditamos que, para chegar a essa política, o governo federal deveria constituir, por meio de lei, uma Comissão Quadripartite do Salário Mínimo, formada por Executivo, Legislativo, centrais sindicais e empresariado. Essa comissão teria como função elaborar, até o início de abril de 2005, a política de longo prazo de recuperação do salário mínimo, a ser anunciada em 1º de maio.

A comissão discutiria itens como o salário mínimo necessário; índice de preços específico; desoneração tributária da cesta básica; nacionalização ou regionalização; a relação entre salário mínimo e o crescimento do PIB; o fator adicional a ser aplicado sobre o salário mínimo para a sua recuperação; o estabelecimento de mecanismos para equacionar o impacto dos reajustes do salário mínimo sobre a Previdência e os orçamentos de prefeituras e Estados.

Existem fontes legais de financiamento da Previdência que podem compensar o impacto do aumento do mínimo

O maior obstáculo reside no impacto do reajuste sobre as contas da Previdência. A Constituição prevê que o piso dos benefícios seja igual ao salário mínimo. De acordo com o Orçamento de 2005, cada R$ 1,00 de acréscimo no salário mínimo corresponde a um aumento de gastos previdenciários da ordem de R$ 132 milhões. Portanto, se o país quiser elevar o salário mínimo para R$ 320,00, como propõem as centrais sindicais, o aumento das despesas previdenciárias será de R$ 4,9 bilhões. Existem fontes legais de financiamento da Previdência que seriam suficientes para cobrir o impacto do aumento do mínimo. É o caso da Cofins, cuja arrecadação de janeiro a outubro cresceu de R$ 52,5 bilhões, em 2003, para R$ 64,5 bilhões, em 2004; da CPMF, que subiu de R$ 20,8 bilhões para R$ 21,9 bilhões; e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que subiu de R$ 14,7 bilhões para R$ 17,0 bilhões. É digno de nota, ainda, que a transferência de uma pequena parte do superávit primário previsto para 2005 seria suficiente para cobrir as despesas previdenciárias decorrentes do aumento do salário mínimo. Calculamos que bastaria a redução de 0,3% do PIB, para viabilizar o aumento do salário mínimo para R$ 320,00. Não devemos esquecer o efeito dinâmico do aumento do salário mínimo. O crescimento do piso salarial traduz-se no aumento do consumo em setores como alimentação, vestuário e calçados e, por conseqüência, novas arrecadações tributárias. Assumindo-se uma tributação média da ordem de 24% para famílias com faixa de renda até 1,5 salário mínimo, pode-se chegar às diferentes estimativas de arrecadação, dependendo do valor a ser fixado. Assim, se o salário mínimo for para R$ 320,00, a arrecadação terá um acréscimo de pelo menos R$ 1,4 bilhão. Trata-se de um cálculo subestimado, pois não leva em conta outros efeitos indiretos, como o aumento de arrecadações com encargos sociais. Cabe notar, por fim, que estamos falando de recursos da ordem de R$ 4,9 bilhões, contra uma arrecadação federal total que pulou, de janeiro a outubro, de R$ 244 bilhões, em 2003, para R$ 271 bilhões em 2004, um acréscimo de R$ 27 bilhões. A política de recuperação do salário mínimo deve ser encarada como uma das prioridades da área social de um governo popular no Brasil.