Título: PSDB escala gerência para rebater PIB de Lula
Autor: Denise Neumann e Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Especial, p. A14

O crescimento econômico não será suficiente para encobrir a ineficiência gerencial do governo e esta será a principal bandeira do PSDB na campanha presidencial do partido. A opinião é do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros. Atualmente dirigindo o Instituto Sérgio Motta, que define como um "think tank" destinado a repensar o plano de vôo tucano para 2006. Diz que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem define como a principal liderança tucana, não se coloca como candidato e sim como condutor do processo sucessório do partido. Critica o governador Aécio Neves, por não ter lançado candidato a prefeito em Belo Horizonte, e aposta que a imagem de gerente do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é o grande trunfo do partido na disputa contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, admite, ainda é favorito em 2006. A seguir, a entrevista de Mendonça de Barros ao Valor, concedida na semana passada em sua casa, no bairro dos Jardins, em São Paulo: Valor: A crítica à incompetência do governo não veio na hora errada? Luiz Carlos Mendonça de Barros: A interpretação do Fernando Henrique Cardoso foi política. O discurso teve um timing político. Valor: Mas não é natural que se meça a competência do governo pela capacidade de conduzir o país ao crescimento? Mendonça de Barros: Fomos nós e não este governo quem fez a primeira leitura de um fato econômico no Plano Cruzado. Vimos que a inflação tinha deixado de ser de natureza econômica e tinha passado a ser um fenômeno político e que a sociedade estava disposta a aceitar sacrifícios para acabar com ela. Fomos vencidos na tentativa de convencer o Sarney que precisávamos fazer o ajuste fiscal enquanto o Plano Cruzado ainda estava em seu auge. Ele nos respondeu: 'Vocês não entendem nada de política. O povo gosta de obras'. Em 1994 essa leitura voltou a ser feita pelo FH que percebeu a disposição do povo de vencer a inflação. Foi eleito por isso. E o que ele diz hoje é o seguinte: a estabilidade é um valor na sociedade. Não mexa com ela porque você vai comprar briga. Mas a estabilidade não é a totalidade das aspirações da sociedade. Valor: Com o crescimento, o governo não está avançando no discurso da estabilidade? Mendonça de Barros: A sociedade brasileira hoje toma como um dado que a inflação será controlada para sempre. Por isso medidas impopulares como a taxa de juros são aceitas até com naturalidade. FH tem dois méritos: o de ter percebido o peso da inflação na agenda da sociedade e o de ter entendido que seu combate precisa de um quadro fiscal forte. A gestão da economia como um todo teve uma série de problemas e crises que fizeram com que o quadro final não fosse brilhante. Mas do ponto de vista do reordenamento de valores políticos e sociais é dele o mérito e Lula é o grande perdedor. Valor: Como é que o sr. afirma que Lula é o grande perdedor se, depois de derrotar o candidato de FHC, o governo dele trouxe crescimento? Mendonça de Barros: Governo não é economia e o governo dele é uma porcaria. Governo não é gestão econômica. Não vejo mérito numa pessoa que ia fazer um desastre ter evitado o desastre mantendo a política econômica anterior. O Lula teve bom senso e a sorte de ter o Palocci ao lado dele para não assassinar a política econômica de FH. É um mérito? Lógico que é um mérito. Mas não agregou nada. Tanto que FH separou a figura do presidente do governo dele. Disse que o governo é incompetente e ressalvou a política econômica. Porque é a dele com a vantagem de não ter crises externas como no período. Valor: Mas e se esse governo terminar entregando um crescimento que o anterior não entregou? Mendonça de Barros: As pessoas vão olhar a mudança na qualidade de sua vida em termos de salário, oportunidade de trabalho, serviços sociais a que tem acesso. A política é interessante porque o julgamento nas eleições é feito muito mais olhando para frente do que para trás. Por isso a posição do PSDB em 2006 é competitiva. A política econômica que deu certo é a do PSDB e isso certamente vai ser explorado. Valor: Se a política econômica está dando certo por que o eleitor vai trocar de governo? Mendonça de Barros: Porque o governo Lula no resto das atividades é ineficiente na gestão das políticas sociais e tem uma política externa desastrosa. Valor: E a que se deve atribuir esse prestígio internacional que Lula tem obtido? Mendonça de Barros: Por que interessaria ao cidadão brasileiro que o Brasil seja membro do Conselho de Segurança da ONU? Nada. O que interessa é que o Mercosul está caindo pelas tabelas, o Brasil não conseguiu nenhum acordo comercial bilateral importante. Os acordos conseguidos são, para dizer pouco, medíocres. Valor: O acordo do algodão na OMC não conta? Mendonça de Barros: O acordo do algodão vem lá de trás. Não foi Lula quem fez. E não é um acordo comercial. É resultado de uma política dentro da OMC que começou no governo FHC. Valor: Mas esse governo vai poder apresentar como contra-argumento a isso, um saldo de US$ 25 bi e exportações que vão passar de 100 bi. Não vão ser argumentos difíceis de rebater? Mendonça de Barros: Outro dia ouvi uma propaganda no rádio com todos esses número de exportações e saldo comercial dizendo o seguinte: "É o governo Lula fazendo aquilo que tem que ser feito para o bem do povo brasileiro". Garanto para você que existem mais de 100 gravações de intervenções do Lula contra exportações, achando que é um crime se exportar alimento. Vamos dizer que o Brasil está crescendo porque nós desenvolvemos essa política econômica. Valor: Se o grande mérito do Lula é ter dado continuidade a FHC, o candidato do PSDB não teria que ser o ex-presidente?

O Aécio não lançou candidato e fez uma leitura errada da eleição municipal. O Alckmin não. Arriscou o pescoço dele"

Mendonça de Barros: Não necessariamente. O PSDB é visto pela sociedade como um partido consistente com aquilo que ele pensa. Diferente do PT. O PT hoje não está no governo. Pode ser que venha a ser cooptado para o governo. Hoje não está nele. Valor: Mas e Rossetto, Marina Silva, Olívio Dutra, Tarso Genro...? Mendonça de Barros: Estão lá, mas são contra a política econômica. São essas coisas que podemos explorar na campanha. Valor: Três anos de crescimento não vão melhorar a vida do povo e frustrar essa estratégia do PSDB? Mendonça de Barros: Não o suficiente. Se houver crescimento é porque o governo seguiu o caminho do PSDB e não o do PT. Quem é que se arrisca a reeleger um sujeito que foi contra essa política econômica durante muito tempo e tem um partido que continua contrário? O que a eleição municipal mostrou é que o eleitor decide olhando um conjunto mais amplo de variáveis. Foi o que o PT não percebeu nessas eleições e tomou mensagens terríveis, como em Porto Alegre e São Paulo e virou um partido do Nordeste e do Norte. Valor: Com esse discurso vocês não vão acabar passando a impressão de que é um desmérito governar nordestinos e nortistas? Mendonça de Barros: Não é desmérito. Infelizmente a formação da opinião pública no Brasil segue esse tipo de caminho. Até porque o Nordeste é uma região que tem um imbricamento social diferente do que há aqui no Sul. O que a eleição municipal mostrou é que o julgamento vai se basear numa cesta de iniciativas maior do que a da economia - o Fome Zero desapareceu, até da imprensa, os programas sociais estão caindo aos pedaços, o ministério da Saúde se desfaz, a mesma coisa na reforma agrária, nas regiões metropolitanas. Vou mostrar que esse governo não consegue produzir resultados em áreas tão importantes quanto o crescimento econômico. E se o PSDB provar que tem a mesma capacidade de gerir a economia para produzir crescimento e mostrar que é mais eficiente na gestão de uma série de outras áreas por que não pode ganhar a eleição? Valor: A eleição de 2006 não vai revelar uma inegável proximidade programática dos dois partidos? Mendonça de Barros: Há uma diferença importante no campo da ética. E as eleições municipais mostraram que o eleitor dá importância à questão ética maior do que a própria imprensa considera. O PSDB desde a sua criação defende, basicamente, os mesmos princípios e o mesmo plano de vôo para tratar do atraso da sociedade brasileira. Não mudou nada. O PT não é isso. O PT é o partido que dizia à sociedade que tinha um caminho alternativo, diferente, revolucionário, contrário a isso que o PSDB sempre colocou como questões básicas da sociedade. O governo muda continuadamente de diagnósticos e soluções assimilando sem glórias caminhos que criticava tempos atrás e faz isso sem o menor respeito com a opinião pública. Isso eticamente é muito ruim para o partido e não para o governo. E quem vai se apresentar à reeleição é o partido e não o governo. Não estou fazendo prognósticos. Apertado, posso até dizer que a probabilidade maior é de o Lula ser reeleito em 2006 Valor: Se o dono da bola é FH por que o candidato será Alckmin. Pelo grande risco da reeleição de Lula? Mendonça de Barros: A escolha do candidato vai depender de quem tiver melhores condições políticas de enfrentar o adversário no momento. O PT não tem essa alternativa. É Lula o candidato. O PSDB tem a vantagem de ter essa carta na mão. O que FH quis dizer é que esse processo passa por ele. O político mais sênior que o PSDB tem hoje chama-se FHC, pela sua história, pela capacidade de análise e pela sua coragem. Podia estar simplesmente sendo aplaudido em teatros e não enfrentando a luta política como está. Mas o candidato será o nome mais competitivo e não necessariamente será ele. Valor: Mas se o candidato for o Alckmin, o governo dele vai estar em julgamento. O que ele oferece a uma campanha do PSDB? Mendonça de Barros: A eleição envolve fenômenos de natureza política diferente. O primeiro fenômeno é a energia política de um partido para se apresentar às eleições de 2006. Para isso é preciso história e projeto de poder. O PSDB tem que rever seu plano de vôo para a sociedade em 2006. Faz parte da dinâmica política de uma democracia que se comece a pensar nas próximas eleições. Esse negócio de 'ai, não, não vamos pensar em 2006 porque isso atrapalha a governabilidade do país, ou as ações do governo'. Isso é besteira... Valor: Mas esse não é o discurso do Alckmin? Mendonça de Barros: Esse pode ser o discurso de quem não está querendo abertamente entrar nesse debate por alguma razão. Ele é governador do Estado, ele não é candidato ainda; e como governador tem a responsabilidade de tocar os próximos dois anos; então ele está certo. Valor: O que o PSDB terá de novo no discurso derrotado em 2002? Mendonça de Barros: Escolhemos três áreas principais para essa revisão: a economia - se temos um regime cambial limpo ou de intervenções -; a política externa - se faz sentido um Mercosul fortalecido ou se vamos partir para acordos bilaterais ; e a ação social, onde, na nossa avaliação, o governo Lula tem sua pior performance porque é confuso, não conseguiu saber direito se critica o que foi feito ou se coloca outra coisa no lugar. Valor: O sr. não acredita em um terceiro nome que rompa essa polarização PT-PSDB? Mendonça de Barros: Não, não acredito. Valor: E em uma recuperação maior do mercado interno? Isso já ocorreu no terceiro trimestre. Mendonça de Barros: Política não é economia. Economia é um dado importante que vamos ter que enfrentar. Acho hoje que todo mundo trabalha com uma economia melhor em 2006. Mas tomem cuidado. Não será um 2004. Saímos do inferno para uma situação melhor com um salto muito grande de um ano para o outro. Valor: Esse embate entre o governo FHC e governo Lula não fica enfraquecido se o candidato for o Alckmin. O que o governo dele oferece de vitrine à campanha?

A posição do PSDB em 2006 é competitiva. A política econômica que deu certo é a do partido e isso vai ser explorado "

Mendonça de Barros: Para um governador de Estado, a maior vitrine é a avaliação que ele tem dos seus governados. Valor: Isso não foi suficiente para reeleger a prefeita Marta Suplicy... Mendonça de Barros: A Marta está sujeita a outros questionamentos. O Alckmin é um governador dos mais bem avaliados aqui e será beneficiário do crescimento da economia porque ele vai aumentar a arrecadação do Estado e terá uma folga financeira proporcional ao que vai haver no governo do Lula. Então, ele tem todas as condições de terminar seu mandato melhor ou tão bem avaliado quanto é hoje. Qual vai ser sua melhor postura? A gerência. Valor: Mas para o eleitor lá do Amapá, que não tem condições de aprovar ou desaprovar o Alckmin, isso basta? Mendonça de Barros: O discurso é esse: eu administrei São Paulo durante oito anos. Olha minha avaliação. São Paulo é um Estado que reproduz em dimensão maior a grande maioria dos problemas do Brasil. É isso. Como você avalia um recém-formado? Pelas nota do sujeito. A mesma coisa funciona para um governante. Valor: O desconhecimento nacional do nome dele não é um empecilho? Mendonça de Barros: O Alckmin é o sujeito que falará bem a qualquer brasileiro. É um sujeito do interior. O ponto forte dele em campanha eleitoral é exatamente essa simplicidade de falar com o eleitor. Não é uma pessoa de brilhantismo, mas consegue conversar com você e entender seus problemas. Ele é uma segunda caricatura, no bom sentido, do brasileiro. O Lula é o brasileiro pobre, com dificuldade, que cresceu na vida. O Alckmin é o sujeito classe média, sempre teve no trabalho sua força maior. Mas vai ter que passar credibilidade do ponto de vista político de que consegue dar o pulo de governo de Estado para o federal. Valor: Qual é sua principal crítica à gestão macroeconômica? Mendonça de Barros: Não há crítica. A gestão é correta. Hoje o Brasil não pode ter mais o juro que tem. Ele é um fator de ineficiência da economia principalmente porque esse sistema de juro real alto no overnight foi herdado de 1985. E o o governo FHC não teve condições de enfrentar esse problema pelas crises internacionais recorrentes que aconteceram. Mas esse problema, hoje, tinha que estar sendo enfrentado. O governo tinha que ter coragem de enfrentar a forma como o Banco Central interfere na formação dos juros. Mas não o fará porque não tem essa convicção. O Lula, daqui para frente, é um time que acha que está ganhando e vai jogar na defesa. Vai ser um governo conservador. Valor: No próximo governo do PSDB, se houver, a gestão econômica terá mais a cara do PSDB? Porque vocês tinham críticas a condução do Pedro Malan. Mendonça de Barros: A condução será aquela que for definida pelo presidente da República. E o PSDB tem visões diferenciadas em alguns instrumentos de política econômica. Só que nós vamos dizer: tem que reduzir os juros. E para isso é preciso mudar a forma como o governo interfere na formação de juros através da política monetária e portanto é preciso mudar a gestão da dívida pública. A equipe econômica do Lula é emprestada, não é inserida dentro do PT. Eu tenho uma confiança muito grande na competitividade do PSDB no ramo da economia. Eu vejo o PSDB com a mesma liderança que ele teve com FHC em 1994. Valor: Mas o governo conseguiu vitórias. A dívida pública caiu, o PIB teve um crescimento vigoroso... Mendonça de Barros: A eleição não se faz dizendo: as pessoas estão fazendo as coisas corretas. A eleição se faz no imaginário do futuro. Valor: Mesmo sendo um presente de crescimento? Mendonça de Barros: Lógico. O presente já é dado. E não temos essa maravilha toda. A renda está caindo. Os dados da economia são importantes, mas para o indivíduo ele ainda não chegou com toda essa força. E o PSDB vai poder dizer: tudo isso começou comigo. Valor: O PSDB de fora de São Paulo tem feito recorrentes críticas à excessiva paulistização do partido. Essa divisão não afetará a sucessão presidencial? Mendonça de Barros: Não, no PT acontece a mesma coisa. Hoje, por uma série de fatores, as principais lideranças dos dois partidos estão em São Paulo. Mas a escolha do candidato não será feita pela localização. O governador de Minas, se não tivesse cometido alguns erros políticos nos seus dois primeiros anos, certamente estaria hoje... Valor: Por exemplo.... Mendonça de Barros: Um governador que perde a eleição na capital com o adversário tendo 75% dos votos, alguma coisa está errada. Valor: Como o fato de não ter lançado candidato? Mendonça de Barros: Ele achou, fez uma leitura errada do PT. O Alckmin não, arriscou o pescoço dele. Porque ele sabia: 'se eu não mostrar capacidade de competir agora, no meu Estado, como vou me colocar como candidato lá na frente?'. Eu já vi várias raposas. Quem não organiza seu galinheiro não pode se colocar como candidato a outro galinheiro.