Título: Campo para a inclusão
Autor: Lauro Veiga Filho
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Especial Agronegócios, p. F1

O Brasil deverá colher mais uma safra agrícola recorde, mas há preocupação com a queda de rentabilidade e com os gargalos existentes na área de logística

A esta altura, o plantio da próxima safra de verão, que começa a ser colhida em fevereiro de 2005, já está concluído e as primeiras pesquisas reforçam a expectativa de uma produção recorde de grãos, alguma coisa entre 129 milhões a 134 milhões de toneladas. Com a ajuda do clima, isso representará um incremento entre 8% e 12% na comparação com a safra passada. A mesa farta, para o consumidor, tende a impor uma dieta rigorosa para os produtores, depois de pelo menos três safras de ganhos polpudos e margens folgadas. A rentabilidade do setor, lembram o deputado Leonardo Vilela (PP/GO), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara Federal, e o senador Osmar Dias (PDT/PR), deverá sofrer sensível redução em 2005. As perspectivas do agronegócio brasileiro serão debatidas hoje no seminário "Desenvolvimento do Setor Agropecuário e Inclusão Social", promovido pelo Valor , Câmara de Deputados e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Senado Federal, em Brasília. A queda de rentabilidade é resultado de uma combinação pouco amistosa de preços em baixa e de elevação dos custos dos principais insumos consumidos pela agricultura, num avanço médio estimado por alguns em 20%. "Temos a esperança de pelo menos um empate entre receitas e custos no caso das principais culturas", arrisca o senador Osmar Dias. A queda da cotação do dólar frente ao real e o aumento da oferta mundial de grãos, reforça Vilela, "estão provocando um achatamento nos preços pagos aos produtores". Tomando os valores médios praticados em novembro do ano passado como referência, os preços recebidos pela saca de soja experimentaram queda entre 26%, no caso do Rio Grande do Sul, a 30% no Mato Grosso até novembro deste ano, segundo dados da Conab. "Não há, no curto prazo, qualquer perspectiva de recuperação dos preços", afirma Dias. Um conjunto de dados divulgados pela Conab e pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) parece dar razão ao prognóstico do senador. A América Latina e os EUA deverão colher, entre este final de ano e o começo do próximo, safras recordes, com destaque, mais uma vez, para a soja. A produção mundial de grãos, considerando-se as cinco principais culturas (arroz, algodão, milho, soja e trigo), tende a pular de 1,77 bilhão para 1,96 bilhão de toneladas, mais 10,8% , diante de um crescimento de 3,5% para o consumo. O resultado será um estoque final quase 10% maior, próximo das 400 milhões de toneladas. A perspectiva de safras gordas deverá exigir um embarque maior de grãos numa tentativa de compensar a perda de divisas já prenunciada pelo mercado para o próximo ano. Segundo Antônio Donizeti Beraldo, chefe do Departamento de Comércio Exterior da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), as exportações do complexo soja tendem a se aproximar de 42 milhões de toneladas, num crescimento de 15% a 17% em relação a este ano. Mas a receita deverá encolher em mais de US$ 1 bilhão, saindo de pouco mais de US$ 10 bilhões para alguma coisa ao redor de US$ 9 bilhões. No geral, as vendas externas do agronegócio tendem a registrar uma retração de mais de US$ 2 bilhões, ficando abaixo dos US$ 35 bilhões em 2005. De janeiro a novembro, as exportações do agronegócio, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), atingiram US$ 36,04 bilhões, crescendo 29% frente ao mesmo período de 2003. O setor respondeu por 41,3% das exportações do país, deixando um saldo comercial de US$ 31,58 bilhões (34,3% a mais). No mesmo período, o país acumulou um superávit de US$ 30,2 bilhões em sua balança comercial - o que significa dizer que, excluído o agronegócio, haveria déficit de US$ 1,38 bilhão. "Se o país deseja ser mais competitivo no mercado externo e estimular o consumo de alimentos no mercado interno, com redução de preços para o consumidor, a decisão de investir mais para melhorar a infra-estrutura de escoamento das safras torna-se imperativa e não pode ser postergada", diz Vilela. Investimentos devem ser realizados antes que as mais de 130 milhões de toneladas de grãos esperadas comecem a deixar as fazendas rumo aos armazéns e portos. "O campo fez o seu dever de casa, assegurando a oferta de alimentos a custos mais baixos que seus principais concorrentes externos", registra o assessor da Secretaria de Política Agrícola do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Régis Alimandro. De fato, com a colaboração de uma brava equipe de pesquisadores, arregimentados pela Embrapa, a agricultura foi capaz de feitos assim: entre 1990/1991 e este ano, enquanto a área plantada cresceu 25%, a produção de grãos mais do que dobrou, saindo de menos de 57,9 milhões para 119,3 milhões de toneladas. O sistema rodoviário ainda responde pelo escoamento de 67% dos grãos produzidos no país. Ferrovias e a malha aquaviária têm participação, pela ordem, de 28% e 5%. "A dependência das rodovias no Centro-Oeste, maior região produtora de soja do país, é maior e o custo do transporte pode representar mais de 25% do valor final do grão posto no local de destino", emenda Vilela, acrescentando que aquele percentual é mais do que o dobro da relação verificada nos Estados Unidos e na Argentina. A produção agrícola cresceu mais depressa do que os investimentos em infra-estrutura, o que inclui, além do transporte, a rede de armazenagem e de portos no país. A agricultura continua avançando em regiões cada vez mais distantes dos centros de distribuição e consumo, onde a infra-estrutura é ainda mais precária, anotam Paulo Fernando Fleury, diretor do Centro de Estudos de Logística do Instituto Coppead de Administração, e José Vicente Caixeta Filho, professor titular do Departamento de Economia e Administração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). O algodão produzido, por exemplo, em Diamantino, no Mato Grosso, percorre 3,6 mil quilômetros até Natal (RN), mostra Caixeta Filho. "Na região Centro-Oeste, nossos estudos mostram uma relação de 15 quilômetros de rodovias pavimentadas para cada mil quilômetros quadrados de superfície. Em São Paulo, a relação cresce para 120 km, atingindo 35 km a 40 km de rodovias pavimentadas a cada mil km² nos Estados Unidos", diz o professor. As políticas adotadas no passado reforçaram distorções e multiplicam custos, que continuam neste momento. Segundo Fleury, há 29 anos, em 1975, os investimentos em infra-estrutura de transportes, realizados praticamente apenas pelo setor público, representavam 1,8% do PIB. A situação só se agravou desde lá: nos anos 90, em média, investiu-se no setor entre 0,2% a 0,3% do PIB e, no ano passado, chegou-se a 0,1% do PIB - algo como 5% dos investimentos realizados em 1975. Para as ferrovias, enquanto os Estados Unidos reservam US$ 32 mil por quilômetro de via, apenas para manutenção, no Brasil os investimentos desabaram de US$ 11 mil até 1992 para US$ 5 mil por quilômetro no ano passado (excluída a Companhia Vale do Rio Doce). Fleury estima que o país precisaria investir, no próximo ano, pelo menos R$ 7 bilhões, apenas para colocar o setor de transportes em condições adequadas de operação. Isso corresponde a quase duas vezes e meia o total de recursos prometido pelo governo para o setor em 2005. Enquanto gera negócios de bilhões de dólares, com um PIB estimado em R$ 524,46 bilhões, segundo cálculos da CNA, o agronegócio revela potencial para promover crescimento e inclusão social num mesmo pacote. Tudo depende de como o pacote será embrulhado. Num exercício despretensioso, que ainda requer um aprofundamento mais cuidadoso, o IBGE cruzou os dados relativos à produção de soja, crescimento da população e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) nas regiões produtoras. "Percebemos que aquelas regiões revelam um IDHM superior à média nacional. A produção de soja teria contribuído para que aqueles municípios registrassem taxas de crescimento da população também muito acima da média do restante do país, certamente atraída pela criação de empregos", afirma o coordenador de agropecuária do IBGE, Carlos Alberto Lauria. A comercialização da soja injeta recursos na economia local, fortalecendo o comércio e as vendas. Estão na relação as cidades de Sorriso, Sapezal, Campo Novo do Parecis e Primavera do Leste, do Mato Grosso, além de Rio Verde, no sudoeste de Goiás. As quatro primeiras, somadas, tinham participação de 32% na produção de soja do Mato Grosso, registravam IDHM acima de 0,800 em 2003 (a média nacional foi de 0,766) e anotaram taxas de crescimento demográfico acima de 10% ao ano, com destaque para Sapezal, com 21,5%.