Título: Cristina muda pouco sua equipe no novo mandato
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2011, Internacional, p. A11

O próximo ministro da Economia da Argentina será Hernán Lorenzino, que hoje é secretário de Finanças. Ele é aliado do atual ministro, Amado Boudou, que foi eleito vice-presidente. O novo ministério foi anunciado ontem, de forma surpreendente, pelo porta-voz da presidente Cristina Kirchner. Ela toma posse em seu segundo mandato neste sábado.

Muitos ministros foram mantidos, incluindo o das Relações Exteriores, Hector Timerman, e a da Produção, Débora Giorgi, dois dos principais interlocutores do governo argentino com o Brasil.

Boudou venceu uma disputa de poder com setores do kirchnerismo que defendiam a escolha de um técnico diretamente vinculado à militância de esquerda que apoia a presidente e conseguiu indicar o seu sucessor. Nos últimos dias, a imprensa argentina relatou com destaque a disputa de bastidores entre Boudou e a corrente "La Campora", comandada pelo filho da presidente, Máximo Kirchner.

Com apenas 39 anos, Lorenzino é um dos integrantes da corrente heterodoxa de economistas conhecida como La Makro, mas tornou-se um elo do governo com o sistema financeiro.

É Lorenzino que está à frente das negociações com o Clube de Paris, uma entidade de credores públicos com quem a Argentina ainda precisa renegociar cerca de US$ 9 bilhões remanescentes do "default" da dívida externa em 2001. Esta é o último acordo que falta para o país retornar de forma plena ao mercado financeiro internacional. Desde que assumiu, Lorenzino busca pagar a dívida em uma só parcela, usando parte das reservas internacionais, com um desconto.

O novo ministro chegou ao governo em fevereiro de 2008, nomeado ministro plenipotenciário para a dívida, na época em que Boudou era o presidente da Anses, a autarquia equivalente ao INSS. Em outubro, Boudou e Lorenzino anunciaram a reabertura da troca de títulos da dívida para os 24% dos credores privados que ficaram de fora da negociação feita em 2005 pelo então ministro Roberto Lavagna. Com a nova troca, apenas 7% dos credores privados ainda não repactuaram seus créditos.

Atualmente, a Argentina tem um endividamento pequeno. A relação dívida/PIB está em cerca de 38%, percentual que cai para 20% se considerada apenas a dívida externa. Mas o país deve crescer com menos vigor em 2012 e se depara com um cenário adverso para as exportações, já que há uma desaceleração no seu maior parceiro, o Brasil, e perda de valor de sua principal commodity, a soja.

"A escolha de Lorenzino é um sinal inequívoco em direção ao Clube de Paris", comentava anteontem o dono da consultoria Abeceb, Dante Sica. Para um dirigente empresarial da área de exportações, contudo está longe de representar uma guinada no governo de Cristina, não apenas pela pouca expressão política, mas pelo estilo de governar da própria presidente.

" O governo não muda porque a presidente acumula na prática todos os ministérios", resumiu. Na Argentina, desde o início de seu mandato, a presidente não faz composições políticas por meio da distribuição de espaços no primeiro escalão. Desta maneira, não há cotas ministeriais para governadores e correntes políticas mais importantes, como ocorre no Brasil.

A prova é a manutenção na presidência do Banco Central de Mercedes Marcó del Pont, também confirmada ontem. Ex-deputada peronista, Mercedes assumiu o cargo há um ano e foi a protagonista da polêmica iniciativa de restringir por meio de mecanismos oficiais a compra de dólares por pessoas físicas, adotada há um mês e causadora de uma diminuição nos depósitos de contas correntes em dólar no País.

Também não se espera com o novo governo uma regularização rápida da medição da inflação na Argentina. O dado oficial, medido pelo instituto oficial de estatísticas Indec, é manipulado e deixou de ser considerado uma referência no País. A inflação real na Argentina é avaliado para este ano entre 22% e 25%.

"Independente da escolha, a estratégia clara do governo é pactuar reajustes de preços e salários menores com o setor privado para que a própria desaceleração econômica leve a uma convergência entre o dado oficial e o real a curto prazo" disse, antes de conhecer a escolha, o economista Ricardo Delgado, da empresa de consultoria Analytica. Até o início da noite de ontem, ainda não se conhecia o destino do mentor da intervenção do Indec, o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno.

Para a chefia de gabinete, cargo chave na articulação política, Cristina escolheu o secretário de Comunicação, Juan Manuel Abal Medina, de apenas 43 anos e um dos articuladores da lei de mídia, instrumento legal pelo qual o governo tenta diminuir o poder dos grupos de mídia Clarín e La Nación.