Título: Conflitos de terra pressionam o governo Lula
Autor: Erilene Araujo
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Especial Agronegócios, p. F2

Se no Brasil as desigualdades sociais batem recorde, é no campo que os indicadores sociais e econômicos apresentam o maior contraste. O agronegócio responde por 41,8% das exportações brasileiras e garante ao país um maior equilíbrio na balança comercial. Abrigo deste setor em ebulição, a zona rural, por outro lado, tem 3,8 milhões de pessoas ocupadas sem remuneração e 3,3 milhões que trabalham apenas para subsistir, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Para minimizar os problemas, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) agiliza a reforma agrária e amplia o acesso ao crédito. Quando completar dois anos de gestão, o governo Luiz Inácio Lula da Silva, por intermédio do Incra, deverá ter investido R$ 2,2 bilhões e assentado 122 mil famílias, sendo 90 mil só este ano. De acordo com o secretário-executivo do MDA, Guilherme Cassel, entre 2003 e 2004, foram liberados R$ 4,5 bilhões em crédito para agricultura familiar, 89% a mais que nos dois anos anteriores, beneficiando 450 mil famílias. As desapropriações do período somam 1,5 milhão de hectares. Ele afirma que a situação no campo poderia ser melhor se o governo Lula não tivesse herdado um número tão grande de assentamentos sem infra-estrutura básica. "Pelo menos 80% dos assentamentos criados na gestão anterior não têm água, habitação, energia elétrica nem estrada e, do total, dois terços nunca tiveram assistência técnica. São áreas sem capacidade produtiva", sustenta Cassel. Para viabilizar os assentamentos, o secretário-executivo do Ministério garante que está em andamento um programa de qualificação das áreas e que, até o fim de 2005, todas terão energia elétrica e assistência técnica. "Fizemos um choque de gestão no Incra e colocamos a máquina para funcionar. O governo entende que é preciso criar políticas públicas para que as pessoas permaneçam no campo e a reforma agrária e o acesso ao crédito são fundamentais dentro deste projeto de inclusão social", diz. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) admite que a assistência técnica nos assentamentos melhorou no governo Lula, mas contesta os números repassados pelo MDA. O coordenador do MST em Brasília, João Paulo Rodrigues, assegura que apenas 49 mil famílias foram assentadas este ano. E que do R$ 1,7 bilhão prometido pelo governo para este ano, somente R$ 500 milhões foram, de fato, aplicados. Enquanto as metas não são cumpridas, o movimento intensifica a pressão sobre todos os governos estaduais com sua política de ocupação da terra. A Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, aponta o aumento de 51% nas invasões de terra em 2004, em relação ao ano anterior. Só o MST coordena o acampamento de 120 mil famílias no país. Destas, 60 mil vivem, há três anos, em condição sub-humana, dormindo debaixo de lonas e comendo o que aparece no dia. Contrária às idéias e à forma de fazer pressão do MST, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) considera que a reforma agrária e a criação de centenas de minifúndios só acentuam os problemas no campo. Isso porque os sem-terra podem até conseguir um título de posse ou propriedade, mas como o crédito é insuficiente e a tecnologia de produção baixa, eles permanecerão em situação de pobreza, aguardando o caminhão-pipa e a cesta básica ou produzindo apenas para subsistência. A instituição acredita que, antes de fazer reforma agrária, o governo precisa ter políticas públicas que viabilizem os minifúndios. De acordo com o assessor econômico da CNA, Luciano Carvalho, há uma dicotomia muito grande dentro do espaço rural. Ele defende que o grande excluído social do país é o sem-renda do campo que convive, ao mesmo tempo, com um agronegócio inovador e avançado que movimentou US$ 29 bilhões de janeiro a outubro deste ano. "O agronegócio é o setor que mais exporta, mais gera emprego e mais tem pobreza. É um problema estrutural e que cresce com o aumento do número de pessoas ligadas aos movimentos de luta pela terra", sustenta. Pelos dados da CNA, o Brasil tem 2,2 milhões de minifúndios e 2,2 milhões de propriedades de terra, entre pequenas, médias e grandes. Dos 16,4 milhões de ocupados (com 10 anos ou mais) do campo, 4,5 milhões são empregadores, 4,2 milhões trabalham por conta própria, 477 mil são empregados, 3,3 milhões só produzem para o sustento e 3,8 milhões não têm remuneração. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) discorda das estatísticas da CNA. Pelos dados da entidade, 50% das terras agricultáveis estão nas mãos de 3% do total de proprietários. E o Brasil é o vice-campeão das desigualdades por ser o segundo maior concentrador de terras do país.