Título: Produtor deve usar menos fertilizantes
Autor: Ediane Tiago
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Especial Agronegócios, p. F5

Apesar de a agroindústria sinalizar uma safra recorde de grãos neste verão (131 milhões de toneladas), o setor de fertilizantes espera, ao menos, repetir os números de produção conquistados em 2003, quando fechar o balanço de 2004. "A queda do preço da soja no mercado internacional reduz os investimentos em tecnologia e insumos. O agricultor será mais cuidadoso nas compras necessárias para o próximo plantio e não deve ampliar a área de produção", adianta Paulo Furquim de Azevedo, professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Por isso, se o setor de fertilizantes chegar ao final de 2004 com a produção de 22,8 milhões de toneladas, registrada em 2003, fabricantes e misturadores se darão por satisfeitos. "As culturas de soja, milho e cana-de-açúcar consomem juntas mais de 60% da produção de fertilizantes e, tanto a soja como o milho estão com preços em queda", completa Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), lembrando que as previsões para 2005 também são de cautela e manutenção de mercado. Carlos Florence, diretor-executivo da Associação de Misturadores de Adubos do Brasil (AMA-Brasil), observa que o faturamento total do setor, cuja cifra alcançou US$ 4,56 bilhões em 2003, deve crescer 15% neste ano. Mas esse incremento não será resultado do aumento na produção, mas sim dos preços, que receberão repasses. "O número de toneladas tende a ser o mesmo, mas o agricultor gastará mais com fertilizantes", adianta. De acordo com ele, esse cenário piorou a relação de troca entre fertilizantes e mercadorias. "Em janeiro de 2003, o produtor conseguia trocar 13,5 sacas de soja por uma tonelada de adubo, hoje está negociando até 19 sacas para a mesma quantidade do insumo", exemplifica. De acordo com a Anda, os preços dos adubos terão como principal vilã a elevação das cotações de quase todos os fertilizantes intermediários, cuja produção mundial não conseguiu atender à demanda crescente. Outro fator que preocupa a cadeia produtiva é a previsão de estagnação do setor de fertilizantes nos próximos dois anos. Afinal, esse segmento lidera a cadeia de insumos para a agricultura, que, segundo Azevedo da FGV, corresponde a 6,42% do PIB do agronegócio brasileiro. Portanto, uma conta simples mostra que, em 2003, o setor de insumos faturou R$ 32,63 bilhões, do total de R$ 508,27 bilhões. Essas cifras mostram a força do segmento, mas preocupam os especialistas quando a análise passa para os custos que o agricultor tem para o plantio. Segundo dados do Centro de Estudos em Economia Aplicada da USP (Cepea), o setor de insumos cresceu 15,16% só na área de agricultura em 2003. Até setembro deste ano, esse índice registrou 3,19% de crescimento, bem abaixo do alcançado no exercício anterior. Esse resultado, no entanto, é superior aos índices do PIB do agronegócio em 2004. Por isso, o crescimento registrado até agora nos insumos para agricultura mostra que o setor primário cresce menos e gasta mais, o que pode corroer mais uma fatia da rentabilidade do agricultor. Essa análise do Cepea se agrava com a concentração da utilização de adubos em poucas lavouras. De acordo com a AMA-Brasil, de toda a produção entregue aos agricultores pelos misturadores de adubos, 40% se destinam à cultura de soja, 18% à de milho, 11% são consumidos pelos produtores de cana-de-açúcar, entre 6% e 7% são destinados ao café e cerca de 4% vão para as lavouras de algodão. "A taxa de crescimento de insumos depende muito do desempenho e dos preços de mercado de cinco lavouras, que consomem quase 80% dos fertilizantes vendidos no Brasil", afirma Florence, lembrando que essas lavouras continuarão a demandar a maior parte da produção de fertilizantes. "São culturas de larga escala e de alta competitividade", lembra. Além disso, a rentabilidade dos produtores de grãos sofrerá as agruras do chamado custo Brasil. "O crescimento da área de cultura está ocorrendo principalmente no Centro-Oeste, região com sérios problemas de logística. A dificuldade em escoar grãos e entregar adubos, eleva o custo para o produtor. Sem contar a política fiscal, que aumentou impostos como PIS e Cofins " , reclama Daher, da Anda. Florence, da AMA-Brasil, ainda destaca a dependência de matérias-primas como fósforo, potássio e nitrogênio, que estão nas mãos de poucos fornecedores, os quais não flexibilizam preços e repassam qualquer reajuste aos misturadores. " O Brasil não é auto-suficiente na produção dessas matérias-primas, por isso os preços ficam sujeitos à flutuação do dólar e ao mercado internacional. " Apesar das adversidades e da cautela dos produtores para as compras da próxima safra, o setor de fertilizantes não acredita em queda de consumo. " O agricultor não pode abrir mão da produtividade. Sabe que para manter suas lavouras com altos índices de produção, terá de utilizar fertilizantes cada vez melhores " , comenta Luiz Antônio Bonagura, diretor-financeiro e de relações com investidores da Fosfértil, produtora de matéria-prima para adubos que faturou, em 2003, US$ 650 milhões no Brasil. Para ele, o sucesso das lavouras fertilizadas garante mercado para o insumo, embora a produção tenda a se estabilizar também na próxima safra. " Em 1992, o País contava com 36 milhões de hectares para plantio e produziu 68 milhões de toneladas de grãos. Em 2004, a área de plantio deve ser de 48 milhões de hectares, que produzirão mais de 130 milhões de toneladas. O consumo de fertilizantes, que nesse período cresceu 7,7% ao ano, é um dos principais responsáveis pelo aumento da produtividade " , argumenta o executivo. Esses resultados também colocaram o Brasil no ranking dos maiores consumidores de fertilizantes do mundo. " Estamos em terceiro lugar no consumo de potássio, em quarto na utilização de fósforo e chegamos à nona posição entre os consumidores de nitrogênio " , completa Bonagura. Apesar da aposta dos agricultores brasileiros em alta tecnologia, o executivo da Fosfértil admite que a dependência pela importação de matéria-prima prejudica o desempenho do setor. "O Brasil importa 60% do nitrogênio que consome na produção de adubos, 50% do fósforo e 90% do potássio." Para reduzir a dependência da importação, a Fosfértil investirá R$ 350 milhões para a produção de produtos fosfatados (derivados do fósforo). "O problema é que temos de conseguir isonomia tributária. Não dá para competir com os produtores do hemisfério norte, se tivermos de pagar ICMS para o que produzirmos aqui. Nunca seremos competitivos", reclama Bonagura.