Título: União Europeia propõe ao G-20 um roteiro para Doha
Autor: Moreira,Assis
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2011, Brasil, p. A3

A União Europeia (UE), ameaçada pela recessão, apresentou uma proposta polêmica aos membros do G-20, que têm reunião de cúpula marcada para quinta e sexta-feira, em Cannes, na França. O bloco europeu quer que os integrantes do G-20 se comprometam com um "roteiro", que permita à Rodada Doha obter, no ano que vem, resultados independentes por setor.

A proposta foi antecedida de uma carta enviada aos líderes dos países do G-20, entre eles a presidente Dilma Rousseff, que juntos são responsáveis por 85% da produção mundial. Ela foi enviada pelos presidentes da UE, Herman Van Rompuy, e da Comissão Europeia, José Durão Barroso. Nela, eles insistem que "reforçar o comércio é o caminho mais efetivo para apoiar o crescimento global".

Na proposta de uma página e meia, a UE não menciona uma só vez a palavra "agricultura", ignorando o tema de maior interesse para países como o Brasil e Argentina, entre outros. Em contrapartida, Bruxelas sugere o compromisso para uma negociação setorial na área industrial, ou seja, para liberalização forte em determinadas áreas já no ano que vem, independentemente da conclusão da Rodada Doha.

A UE defende também outras negociações isoladas na Organização Mundial do Comércio (OMC), sem barganha com diferentes temas na área de serviços, barreiras não tarifárias etc. Uma demanda precisa é um acordo de facilitação de comércio, tema sobre o qual todo mundo está de acordo, até chegar à discussão dos detalhes.

Para o Brasil, isso implica reduzir de forma as inspeções de mercadorias em trânsito, com um produto passando pelo porto de Santos para o Paraguai sem exame, mas sabendo que a mercadoria pode voltar logo depois ao mercado brasileiro, num exemplo da chamada circunvenção.

Os europeus ignoram a negociação agrícola, porque acham que o tamanho dos cortes de tarifas de importação e dos subsídios está resolvido. Na verdade, isso continua dependendo do que acontecerá na área industrial, se a Rodada Doha for reativada.

"Parece piada, mas os europeus querem um resultado antecipado em áreas de maior potencial de conflito, como acordos setoriais na industria", reagiu um importante negociador. "Eles querem empurrar isso no G-20 e depois trazer para a conferência ministerial da OMC no fim do ano."

A reunião do G-20 é vista como espécie de "vestibular para a conferência ministerial da OMC no fim do ano". O que os líderes colocarem no comunicado final é o que balizará os próximos passos na cena multilateral de comércio. No entanto, por motivos diferentes, a proposta europeia de um "roteiro" para Doha está sendo bombardeada tanto pelos EUA como por países em desenvolvimento.

Os americanos, com taxa de desemprego de 10%, o que é considerado um desastre político e econômico, não querem nem ouvir falar em negociação para abrir mais seu mercado. No G-20, Washington resiste a mencionar o termo Doha nos comunicados. Já o Brasil e outros emergentes veem desequilíbrio na proposta europeia, que só consegue mesmo puxar países como Japão e Austrália.

Europeus e americanos estão unidos, por sua vez, na demanda para o G-20 estender o compromisso de "standstill", ou seja, para não levantarem novas barreiras comerciais, nem aumentarem tarifas de importação ou concederem mais subsídios. Já existe o compromisso nesse sentido até 2013, que não vem sendo respeitado. No ritmo das discussões, o que deve sair é a costumeira frase de que os países se comprometem a resistir a todas as formas de protecionismo.