Título: Tesouro escondido
Autor: Rodrigo Bittar e Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2004, Eu & Investimento, p. D1

Os pequenos investidores que quiserem usar seus bancos para comprar títulos públicos federais pela internet via Tesouro Direto podem encontrar pela frente um grande obstáculo: as próprias instituições financeiras. Além de privilegiar a divulgação de seus fundos de investimento - que compram os mesmos papéis, mas cobram taxas de administração de até 5% ao ano -, alguns bancos exigem aplicações mínimas de R$ 50 mil ou R$ 100 mil, enquanto o Tesouro permite negócios a partir de R$ 155,74, ou 20% do valor de face de um título. A Secretaria do Tesouro Nacional já detectou uma série de dificuldades impostas pelos bancos - por meio de reclamações feitas por investidores - , mas não quer entrar em conflito com as instituições. O Tesouro Direto foi lançado em janeiro de 2002 como aposta do governo para democratizar o investimento em títulos públicos federais. No fim do mês passado, com quase três anos de atividade, somava apenas 31.674 investidores e um total de vendas acumuladas de R$ 648,966 milhões, sem descontar os resgates e vencimentos ao longo do período. Um número muito pequeno em relação ao total investido em fundos de renda fixa e DI, de R$ 279 bilhões. O Valor procurou bancos para conhecer, como cliente, as exigências para a custódia dos títulos negociados no Tesouro Direto. Entre os pesquisados, nenhum sugeriu o serviço de forma espontânea. O Itaú, por exemplo, oferece o sistema apenas para clientes do segmento Personnalité - com renda acima de R$ 5 mil mensais - e reduziu recentemente o investimento inicial de R$ 100 mil para R$ 50 mil. "O banco tem outras alternativas conservadoras", diz o presidente da Itaú Corretora, Roberto Nishikawa. O Bradesco não faz parte da listagem dos agentes de custódia do Tesouro Direto. Mas, de acordo com informações obtidas nas agências, é possível comprar títulos públicos a partir de R$ 100 mil, diretamente na mesa de operações da corretora. Nesse caso, as taxas de remuneração e de custódia serão negociadas caso a caso. A assessoria de imprensa do Bradesco informou em nota que "o banco aguarda o momento mais apropriado para ampliar sua atuação." Apesar de vários bancos estarem cadastrados como agentes de custódia, os únicos que divulgam o serviço em seus sites são os estatais Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Outro custo que onera a aplicação direta é a taxa de custódia. Ao regulamentar o Tesouro Direto, o Ministério da Fazenda definiu uma taxa fixa de 0,4% ao ano sobre o valor aplicado para a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). A taxa do primeiro ano é cobrada no ato da compra e não é devolvida se o investidor vender o papel antes. A partir do segundo ano, a cobrança é proporcional e descontada dos juros periódicos, quando o papel oferece esse tipo de remuneração, ou na venda. Além desse valor, os bancos e corretoras têm o direito de cobrar taxas de custódia adicionais e de corretagem. Alguns bancos cobram mais 0,4%. O Banco do Brasil, maior agente de títulos públicos para pessoas físicas, cobra 0,5%. O Itaú, mesmo com aplicação mínima muito acima do que o Tesouro exige, cobra taxa de custódia de 1% ao ano. O percentual final supera de longe, por exemplo, a taxa de administração de 0,5%, cobrada pelo próprio banco em seu fundo de renda fixa Private DI FACFI. O fundo compra títulos pós-fixados como as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) e pede aplicação mínima de R$ 10 mil - para títulos direto, o banco exige R$ 50 mil. Pela internet, é possível comprar uma LFT com vencimento em 2007 a R$ 2.130. Vale lembrar que a taxa do fundo inclui, além da custódia, o trabalho de gestão da carteira. Para um operador de mercado que pediu para não ter seu nome citado, o Ministério da Fazenda não estaria divulgando com eficácia o Tesouro Direto para não "se indispor" com o sistema financeiro, uma vez que outras medidas do governo já vêm "estressando" os bancos - como a que força os bancos a alongar o prazo das carteiras dos fundos para que investidores paguem menos imposto de renda a partir do ano que vem. O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, José Antônio Gragnani, nega essa hipótese lembrando que os técnicos do Ministério da Fazenda divulgaram o Tesouro Direto em várias reuniões realizadas em universidades e sindicatos em 2004. Ele indicou que, em 2005, é possível que haja uma divulgação maior. Sobre as aplicações mínimas abusivas, Gragnani diz que tem "conversado com os bancos para eliminar restrições." Já alguns bancos preferem a discrição na promoção do sistema. "Eles falam claramente que o Tesouro Direto iria matar o negócio deles (com fundos e CDBs)", relata um interlocutor do Ministério da Fazenda. "O mais curioso é que os responsáveis pelas tesourarias desses bancos só investem por lá." Antes do Tesouro Direto, a aplicação em títulos públicos no varejo era feita somente indiretamente, por meio de fundos, que compram os papéis no mercado primário (leilões tradicionais do Tesouro Nacional) ou no mercado secundário (negociação com outros agentes). Com o Tesouro Direto, os poupadores podem comprar e vender diretamente os papéis e administrar prazos e indexadores. O sistema oferece cinco tipos de títulos, que podem ser comprados por frações de 0,2 ou 20% do seu valor. As LTN são prefixadas e têm aplicação mínima de R$ 155,74. As LFT são indexadas ao juro diário da Selic, com mínimo de R$ 426,09. A NTN-B é corrigida pelo IPCA, e pede mínimo de R$ 201,67. A NTN-C, atrelada ao IGP-M, tem mínimo de R$ 294,43. E as NTN-F, prefixado, que paga juros semestrais, com aplicação mínima de R$ 176,35.