Título: Grécia volta atrás no referendo, mas ainda ameaça zona do euro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2011, Opinião, p. A12

Estupefatos e irados, os líderes europeus responderam ao que consideraram uma afronta grega - a realização de um referendo sobre o segundo pacote de socorro ao país - com um ultimato sem amortecedores diplomáticos. Ou a Grécia aceitava o pacote como foi acordado ou teria de escolher se permanece ou não na zona do euro. Longe de ser uma questão filosófica, a alternativa foi apresentada com um colateral: enquanto resolvem a questão, os gregos ficariam sem um centavo da ajuda de € 8 bilhões do pacote de 2010. Nunca a união monetária esteve tão perto de se partir quanto nas últimas 48 horas. Do lado dos líderes europeus, nenhum recuo era possível, sob o risco da desmoralização e novas ondas de instabilidade nos mercados. A Grécia, que poderia voltar atrás, cedeu.

O primeiro-ministro George Papandreou foi do zero ao infinito em poucos dias. Aceitou os termos do acordo de fortalecimento financeiro da zona do euro, depois estarreceu os governos europeus ao prometer realizar um referendo sobre seu conteúdo e, de volta à Grécia, em meio à balbúrdia que suas manobras causaram, esteve a ponto de pedir demissão. No fim das contas, após colocar todo o bloco em xeque, decidiu suspender o referendo. Para Papandreou, o importante era dobrar a oposição e empurrá-la para um governo de união nacional, onde não apenas os socialistas do Pasok, mas os conservadores da Nova Democracia, assumissem plenamente o ônus do desgaste que mais doses de austeridade trarão ao povo grego. Sua jogada de altíssimo risco não terminou em derrota.

Diante de uma crise sem precedentes, as atitudes dos políticos gregos foram paradoxais. O ministro da Economia, Evangelos Venizelos, voltou de Cannes às 4h45 da madrugada e, desautorizando o governo a que pertence, em comunicado oficial, disse que a participação da Grécia na zona do euro era uma "conquista histórica" e que ela "não dependia de referendo". Já a oposição bombardeou Papandreou e pediu eleições antecipadas porque achava que novas medidas de austeridade piorariam ainda mais a situação do país. Isto é, foram pela derrubada do governo, que apoia o acordo, mas se assumissem o poder e fossem coerentes, teriam de se opor ao plano europeu - provocando as mesmas consequências que o referendo teria.

Com a ameaça de asfixia financeira feita pelos líderes europeus - novas dívidas batem à porta do governo no dia 19 de dezembro -, engoliram sua oposição e deram o apoio que Papandreou precisava. Papandreou explicou tudo isso com termos simples: "Tínhamos um dilema: consenso ou referendo. O fracasso em apoiar o plano significaria o começo de nossa despedida do euro. Mas se temos consenso, não precisamos de referendo".

Com o apoio da oposição, vital já que Papandreou não dispunha de maioria confiável em seu partido, majoritário no Parlamento por pequena margem, o governo deve obter hoje o voto de confiança e tudo ficará como antes - em péssimo estado. A possibilidade real de a Grécia deixar o bloco vem sangrando os bancos gregos com uma corrida em câmera lenta por dinheiro vivo (ft.com, ontem). Em 2010, os depósitos bancários diminuíram 14%, algo como € 2 bilhões. Apenas em outubro, 6% dos depósitos evaporaram. Se a Grécia deixar o euro, todos os detentores de ativos gregos se tornam imediatamente expostos ao risco cambial da nova moeda, cuja desvalorização seria muito significativa. O apelo para que se enviem euros para fora da Grécia é grande e só está contido porque pacotes e promessas de socorro ao país continuam existindo.

Não são apenas os zigue-zagues desconcertantes dos políticos gregos que deixam os líderes europeus assombrados - sua constância também. Ela se traduz pela resistência às medidas aceitas e tomadas, que não andam. A privatização atrasa e, em vez de trazer € 5 bilhões aos cofres públicos em dezembro, trará só € 1,7 bilhão (ft.com, ontem). Como boa parte dos pacotes de austeridade recaem sobre funcionários públicos que perderão benefícios e empregos, a própria máquina de arrecadação não está funcionando bem. O país vive dias de caos. Mesmo sem referendo, sua permanência na zona do euro não está garantida. O que o acordo promete são mais nove anos de austeridade para que a dívida caia a 120% do Produto Interno Bruto, ainda uma enormidade. Não se pode deixar de considerar que, em algum momento, os gregos podem perder mais uma vez o juízo.