Título: CPI é acusada de partidarizar relatório
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2004, Especial, p. A16

O plenário vazio, a ausência do tumulto e da empolgação típicos de CPIs expressaram bem o final melancólico e inexpressivo da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou a evasão de divisas no país. Durante quase 17 meses de funcionamento, quebrou de forma questionável o maior número de sigilos já visto no país e não produziu o resultado esperado. No relatório de 741 páginas apresentado ontem pelo deputado federal José Mentor (PT-SP) fica claro que há um sem número de investigações inconclusas e que o trabalho, de fato, terá que ser concluído pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal. De concreto, Mentor propõe 91 indiciamentos - de 85 pessoas, conforme contagem feita pelo Valor. A intenção dos parlamentares é votar o relatório na próxima semana. Os focos de investigação foram tão difusos e a base de dados tão ampla que o Congresso não soube o que fazer com o volume explosivo de sigilos e documentos. Estimativas não-oficiais de órgãos federais apontam que o montante de recursos desviados ilegalmente ao exterior pode oscilar entre US$ 80 bilhões a US$ 100 bilhões. A motivação da CPI foram as denúncias de evasão de divisas a partir de agências do Banestado, em Foz do Iguaçu, cujas movimentações totalizavam US$ 32 bilhões. No relatório, Mentor admite que o caso Banestado tornou-se apenas um item da CPI, tendo o foco central sido desviado para as movimentações da empresa Beacon Hill - criada em 1994, em Nova Iorque, fechada pela promotoria americada sob a acusação de lavar dinheiro de origem ilícita. Vários brasileiros fizeram operações na empresa. Após a aprovação do relatório, toda a base de dados coletada pela CPI - um universo de documentos e sigilos bancários e fiscais que envolve 1,6 milhão de operações financeiras, fora as movimentações por contas CC-5, e cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas - será enviada ao Ministério Público. Caso esse relatório não seja votado até o prazo de funcionamento da CPI - fevereiro de 2005 -, a documentação fica arquivada no Congresso. O relatório, além de ter sido considerado medíocre por boa parte dos parlamentares, escolheu a dedo algumas pessoas que são apontadas como grandes responsáveis pela evasão de divisas. O principal vilão, segundo José Mentor, é o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. A citação do economista vai dificultar a votação do relatório. PSDB e PFL já preparam votos em separado para retirar o nome de Gustavo Franco do indiciamento. Nem mesmo parlamentares da base, como o deputado Sérgio Miranda (PC do B-MG), concordaram com os termos do relatório de Mentor, pelo fato de responsabilizar apenas Franco e ignorar as ações de toda a diretoria do Banco Central que eventualmente podem ter colaborado para facilitar crimes de evasão de divisas. "Se não podemos ajudar, não vamos também atrapalhar", disse Miranda. Personagem imprescindível na história das CPIs, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) disse que vivia ontem o momento de maior frustração de sua vida. "Um ano de trabalho, e essa CPI praticamente nada fez. Noventa por cento do que vejo aqui nesse relatório praticamente nem se discutiu. Não sei se terei condições de votar", disse. No relatório, Mentor trouxe à tona dois casos de evasão de divisas que envolvem adversários do PT, abrindo espaço para que a oposição classificasse o parecer de uma peça política e partidária. Ele detalhou duas operações financeiras que acredita revelarem-se em novas modalidades de evasão. Uma deles é referente à compra do Excel Econômico pelo Banco Bilbao Viscaya (BBV). O BC, citou o relator, aplicou U$ 840 milhões no BBV numa operação casada ligada à compra do Excel Econômico. A análise dos documentos, segundo o relator, mostra pontos obscuros da negociação que precisariam ser devidamente esclarecidos por Gustavo Franco. Em outro caso explicitado pelo relator, duas estatais - a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) e a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) - teriam comprado títulos no mercado externo e depois encontrado uma fórmula de trazer de volta o dinheiro, com a cotação oficial. Esses dois casos não foram investigados ao longo da comissão. As operações da Sabesp mencionadas teriam sido feitas no governo do tucano Mário Covas. A CRT era administrada por rivais do PT no Estado. "Isso parece muito mais um panfleto político que um relatório de CPI", criticou o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). Mentor disse que não houve direcionamento político em seu relatório. Em sua exposição, no entanto, ele admitiu que não foi possível em várias situações separar criteriosamente pessoas que cometeram ilegalidade de outras que devem ter agido licitamente. O relator disse que somente nas situações em que há provas foi sugerido o indiciamento. "Eu não estou atrás de políticos", justificou o petista. O presidente da CPI, Antero Paes de Barros (PSDB-MT), evitou polemizar com Mentor. Disse que só faria julgamento após a leitura do relatório.