Título: Real tem maior perda desde 2008
Autor: Travaglini,Fernando
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2011, Finanças, p. C1

Com a maior alta diária desde o auge da crise de 2008, o dólar fechou ontem cotado a R$ 1,865, com uma valorização de 4,25%. A última vez em que a moeda americana apresentou uma elevação tão forte foi no dia 22 de outubro daquele ano, quando subiu 6,68%, cotado de R$ 2,38. Na época, o país já sofria os efeitos mais intensos da turbulência internacional.

Desta vez, diferentemente do que se viu há três anos, não são apenas fatores externos que pressionam a cotação. Há também uma piora da percepção de risco por parte de investidor estrangeiro, para quem a possibilidade de a inflação subir no futuro pode afetar a perspectiva de retorno no curto prazo.

O atual movimento de apreciação do dólar começou no dia 29 de agosto. Desde então, a moeda americana já subiu 17,37% frente ao real. A puxada ocorreu na esteira da decisão do Banco Central de reduzir a Selic em 0,50 ponto percentual, para 12% ao ano, no dia 31 do mês passado. O corte dos juros, que altera a contabilidade do retorno do investidor que trabalha com operações de curto prazo, foi o gatilho para a disparada do dólar, que os analistas já consideram como um "overshooting".

A desvalorização cambial em curso tem também, é claro, forte componente externo. E, portanto, não dá sinais de trégua, com o aumento dos temores de calote na Grécia e a confirmação, depois da reunião de ontem do Federal Reserve (BC dos Estados Unidos) da falta de instrumentos por parte dos bancos centrais para debelar a crise. Já se fala que a cotação poderia testar o patamar de R$ 2 nos próximos pregões.

Os bancos nacionais e os investidores estrangeiros se anteciparam a esse movimento de alta da moeda americana e inverteram as apostas nos mercados à vista e futuro, se posicionando agora contra a moeda brasileira. A especulação, portanto, trabalha a favor do dólar, ao contrário do que ocorreu nos últimos anos. Com essa pressão adicional, a moeda americana ganhou nos últimos dias mais valor em relação ao real do que frente a outras moedas.

Outro fator que tem puxado o dólar é a compra de moeda no mercado à vista, seja por parte de multinacionais que elevaram as remessas para as matrizes, seja por empresas que estão endividadas em dólar e precisam fazer hedge dessas posições.

Com o aumento da aversão ao risco global, já começam também a aparecer sinais de uma menor entrada de capital, como mostrou o dado de fluxo cambial divulgado pelo BC. Na última semana, o saldo foi positivo em US$ 395 milhões, bem abaixo dos US$ 8 bilhões dos primeiros dias do mês.

A avaliação dos especialistas é de que, ao contrário de 2008, quando investidores deixavam o país para cobrir perdas realizadas em outros mercados, desta vez uma parte dos aplicadores está saindo do país por uma percepção mais negativa da economia brasileira. O viés do Brasil continua sendo positivo para o longo prazo, mas a preocupação com a inflação começa a rondar as análises dos grandes fundos.

A inflação implícita nos títulos públicos (NTN-B com vencimento em 2013) subiu 0,60 ponto percentual desde a reunião do Copom. Como o investidor estrangeiro aplica em títulos prefixados, alguns estão perdendo dinheiro com a alta da inflação, que chegou a 7,33% em doze meses, e acabam fugindo dos papéis.

O investidor externo espera novas quedas dos juros e precisa se proteger. Caso esteja em aplicações líquidas, apenas vende o título, compra dólares no mercado e retorna os recursos para o exterior. No caso de papéis menos líquidos, precisa fazer hedge na BM&F, elevando os juros mais longos negociados na bolsa. Essas operações têm reflexo também no câmbio.

Maurício Molan, economista-chefe do Santander, explica que o valor da moeda brasileira tem forte relação com o preço das commodities e também com a cotação do dólar no mercado internacional, além do diferencial de juros interno e externo. Considerando apenas esses efeitos, a cotação deveria estar entre R$ 1,7 e R$ 1,75, diz o especialista, mas ele não acredita que esse patamar voltará a ser atingido ainda este ano.

"O movimento foi amplificado por fatores de mercado, temores exagerados, operações de "stop-loss" e algum movimento de manada, além de um componente de pânico", diz. "No curto prazo, não dá para dizer se esses movimentos terminaram ou se têm limite", diz.

O governo não acredita em sobrevalorização do dólar. Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, descartou a adoção de medidas para conter a valorização do dólar, pois, segundo ele, "o câmbio está apenas devolvendo o que valorizou antes".

De fato a cotação não parece incomodar o governo, mas a velocidade de apreciação pode ser um problema. Movimentos bruscos da taxa de câmbio têm efeitos perversos sobre a atividade econômica, sobre a inflação e, especialmente, sobre o balanço das empresas, que não estão totalmente protegidas contra fortes oscilações da moeda.

O BC pode ter sinalizado essa preocupação, diz Molan, ao não realizar a rolagem dos contratos de swaps cambiais reversos, que vencem no dia 1ºde outubro. A oferta de swap reverso por parte do BC significa uma intervenção no mercado futuro, onde o preço do dólar é formado. Se a autoridade monetária rolasse os contratos, poderia criar uma pressão adicional de valorização do dólar.

A tendência, portanto, ainda é de alta da cotação. No chamado "after market" da BM&F, que sucede o pregão regular e que dá sinais de como será a abertura dos negócios no dia seguinte, o dólar futuro chegou a $ 1,896. "Nada indica que o pregão será calmo mais uma vez", diz Fabiano Rufato, diretor de câmbio da Fitta.