Título: A guerra das patentes farmacêuticas no país
Autor: Igor Simões
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2004, Legislação, p. E2

A guerra avança pelas trincheiras feitas de papel e a batalha permanece sem vencedor na Praça Mauá, número 7, no Rio de Janeiro, onde se localizam as sedes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O brasileiro já viu de tudo: guerra dos fabricantes de cervejas, guerra dos morros etc. Agora, temos a guerra de opiniões entre o INPI e a Anvisa, que coincidentemente são órgãos federais que parecem não falar a mesma língua, confundindo os usuários da área farmacêutica e do sistema de patentes. A patente pode ser definida como o monopólio de exploração de uma invenção ou de um modelo de utilidade, por tempo limitado, que é conferido pelo Estado. Uma patente pode se referir a uma composição farmacêutica, um processo de fabricação de uma determinada composição ou a usos médicos de proteínas ou genes humanos, por exemplo. Após a promulgação da Lei nº 10.196, de 14 de fevereiro de 2001, um quarto requisito de patenteabilidade foi criado, a saber, a prévia anuência da Anvisa para a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos. Porém, a competência da Anvisa para realizar esta tarefa tem sido questionada até mesmo pelo próprio INPI, que discorda tecnicamente do resultado de várias análises feitas pelo órgão federal. Recentemente, a Anvisa divulgou em seu site que a sua diretoria colegiada, em reunião realizada no dia 23 de novembro de 2003, considera as invenções de segundo uso médico não-patenteáveis. Contrariamente, esses mesmos tipos de invenções são perfeitamente aceitos pelo INPI, desde que investidos dos requisitos de patenteabilidade, conforme determina a Lei da Propriedade Industrial - a Lei nº 9.279, de 1996 -, que são a novidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial. A confusão gerada faz com que os usuários do sistema de patentes se perguntem o seguinte: "A diretoria colegiada da Anvisa se investiu de quais poderes legais para tomar tal decisão?" O Brasil é o único país no mundo que submete a decisão sobre a concessão de uma patente já analisada e julgada pelo órgão competente a uma outra instituição não pertencente ao sistema de propriedade industrial. O INPI, órgão responsável pela concessão de patentes no Brasil, deve receber autorização da Anvisa para conceder patentes farmacêuticas, o que serve apenas para deixar qualquer investidor inseguro quanto à futura proteção com a qual ele efetivamente contará com relação a seus medicamentos no país.

A divergência entre INPI e Anvisa causa confusão entre usuários nacionais e internacionais do sistema de propriedade industrial

A exigência de duplicidade de exame de mérito de uma invenção é encontrada somente no Brasil. Além disso, a divergência de opiniões entre a Anvisa e o INPI tem gerado confusão entre os usuários nacionais e internacionais do sistema de propriedade industrial, o que faz com que, nos casos de não-anuência da Anvisa com relação a um determinado pedido de patente já aprovado pelo INPI, a única solução seja a de decidir a questão por meio do Poder Judiciário. Além disso, a Anvisa é a única instituição autorizada a conceder o registro para a comercialização de um medicamento. Não raramente, concede registros a terceiros para medicamentos que são protegidos por patente, cujos prazos de vigência ainda estão longe de terminar. Mais uma vez, a competência da agência para avaliar pedidos de patente parece questionável. O custo médio para o desenvolvimento de uma droga é de cerca de US$ 750 milhões, podendo levar até 16 anos para que o medicamento venha a ser disponibilizado no mercado. Estima-se que somente três de cada dez drogas aprovadas recupere os custos da respectiva pesquisa realizada. As indústrias americanas gastam, em média, US$ 2,6 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. E as companhias desenvolvedoras de novos produtos indicam que 65% de seus medicamentos não teriam sido desenvolvidos e comercializados se a proteção patentária não estivesse disponível. Que o governo brasileiro continue a negociar com a indústria farmacêutica a redução dos preços dos medicamentos - o que é politicamente correto diante das funções sociais do Estado - não é fato que dispense a existência de regras bem definidas, as quais devem ser estabelecidas para que a indústria não venha a restringir os recursos destinados para a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos, e, conseqüentemente, investimentos em nosso país. As regras devem começar a partir de estudos profundos sobre os direitos patentários da indústria farmacêutica, reforçando, também, o seu direito de investir e obter o retorno do investimento sobre os seus medicamentos. Apesar de termos uma visão otimista, não podemos deixar de alertar que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial e a Anvisa precisam estar afinados e seguindo a legislação pertinente, para o bem da população e do setor farmacêutico. Se isso ocorrer, todos sairão ganhando.