Título: Suposto esquema faz primeira vítima
Autor: Silveira, igor; Rizzo, Alana; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 14/09/2010, Política, p. 2

Assessor da Secretaria Executiva da Casa Civil deixa o cargo diante de denúncias de tráfico de influência na pasta comandada por Erenice Guerra, ministeriável de Dilma. PF vai analisar necessidade de inquérito

Após ter o nome citado na divulgação de um suposto esquema de lobby, propina e tráfico de influência que envolveria a ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, o assessor da Secretaria Executiva do órgão Vinícius de Oliveira Castro pediu, ontem, a exoneração do cargo. Ele trabalhava no Palácio do Planalto desde 30 de junho do ano passado e ocupava função com remuneração de quase R$ 7 mil. Castro e Israel Guerra, filho de Erenice, teriam recebido R$ 5 milhões por intercederem em licitações da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e na renovação de uma concessão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em favor da empresa Master Top Linhas Aéreas (MTA). Por meio de uma nota, o servidor anunciou a decisão e afirmou que repudia todas as acusações.

Diante das suspeitas, o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, ordenou que a Corregedoria-Geral da PF analise se há necessidade de abrir um inquérito policial de ofício quando a PF abre o processo por iniciativa própria. A corporação vai avaliar se existem indícios objetivos de crimes de tráfico de influência, desvio de dinheiro público para pagamento de propina e advocacia administrativa.

As negociações entre o governo e a empresa privada eram intermediadas por Israel Guerra, que se dizia consultor da Capital Assessoria e Consultoria. A empresa, no entanto, está registrada no nome de Saulo Guerra, irmão de Israel, e da mãe de Vinícius, Sônia Castro, uma mulher de 59 anos que viveria em Bicas, município a cerca de 340 quilômetros de Belo Horizonte. Lá, em vez de assessorar empresas, ela seria vendedora do ramo de laticínios.

Ontem, a ministra Erenice Guerra, cotada em todas as listas de ministeriáveis num hipotético governo de Dilma Rousseff, só se pronunciou por meio de notas oficiais divulgadas pela assessoria de imprensa da Casa Civil. Na primeira, a chefe da pasta pedia à Comissão de Ética Pública da Presidência da República que iniciasse as apurações sobre o caso imediatamente. Além disso, ressaltava que estava disposta a abrir os sigilos bancário, telefônico e fiscal, se necessário, bem como os sigilos de seu filho Israel.

Por coincidência, a reunião mensal da comissão estava marcada para ontem. Na sessão, o advogado Fabio de Sousa Coutinho foi escolhido como relator do procedimento preliminar de investigação. Ele vai analisar os documentos e, em dez dias, apresentará um relatório apontando, caso haja, algum indício de irregularidade por parte de Erenice Guerra. Na segunda nota divulgada pela assessoria, a ministra afirma que contratou um escritório de advocacia para processar por calúnia a revista Veja, que divulgou as denúncias na edição desta semana.

Negativa No fim da tarde de ontem, os Correios confirmaram a vigência dos contratos com seis empresas de transporte aéreo de carga além da MTA. No caso da Master Top Linhas Aéreas, os negócios somam R$ 59,8 milhões, mas, ainda de acordo com a ECT, todos passaram por processos licitatórios regulares e transparentes. A ECT reafirma sua determinação de manter a excelência dos serviços prestados, a transparência da sua gestão () e que, a despeito de tentativas de desqualificá-la, continua merecendo o reconhecimento da população como uma das instituições mais confiáveis do Brasil, diz a nota.

A empresa Via Net Express, apontada como responsável por ajudar na renovação da concessão da Anac para que a MTA mantivesse contratos com os Correios, também negou participação em qualquer irregularidade. A Via Net Express não possui contrato de prestação de serviços com os Correios nem compra serviços de transporte aéreo nas aeronaves dos Correios, divulgou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve um encontro com a ministra da Casa Civil no domingo, aguarda os desdobramentos dos fatos para tomar qualquer decisão.

O número Faltam 19 dias Para o 1º turno

Quem é quem

Erenice Guerra Ministra-chefe da Casa Civil e sucessora da candidata à Presidência da República pelo PT, Dilma Rousseff, no cargo

Israel Guerra Filho da ministra Erenice. De acordo com as denúncias, atuava como lobista, por meio da empresa Capital Assessoria e Consultoria, para fechar negócios entre empresas privadas e o governo

Vinícius Castro Funcionário da Casa Civil nomeado por indicação de Erenice, supostamente ajudava as negociações de Israel

Saulo Guerra Irmão de Israel e filho de Erenice. Um dos sócios da empresa Capital

Sônia Castro Mãe de Vinícius Castro. É a outra sócia da empresa Capital. Tem 59 anos e trabalharia vendendo queijo, em Bicas, interior de Minas Gerais

Fábio Baracat Representante da Master Top Linhas Aéreas (MTA). Teria procurado Israel em abril do ano passado para conseguir contratos com a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT)

Márcio Silva Advogado, presta assessoria jurídica na campanha de Dilma Rousseff. Segundo as denúncias, o escritório de Silva era usado por Israel para negociar com clientes

Antonio Eudacy Alves Carvalho Irmão de Erenice Guerra, advogado, atuaria em causas jurídicas em parceria com Mário Silva

Serra ataca, Dilma se esquiva

Ivan Iunes Tiago Pariz

Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) adotaram trincheiras diferentes para enfrentar os efeitos das denúncias contra a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra. Enquanto a petista preferiu o silêncio em visita à Federação Israelita de São Paulo, o tucano ressaltou o protagonismo frequente da Casa Civil como centro de denúncias do governo Lula. Esse é o terceiro. O primeiro é o do Waldomiro Diniz. O segundo, do José Dirceu, e esse agora. Ele é gravíssimo, apontou Serra. A fala teve vez durante sabatina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Ao falar para o Conselho Federal da OAB(1), o tucano criticou uma suposta tentativa da petista de inverter o alvo das críticas. Ela não pôs a mão no fogo por Erenice, mas ao mesmo tempo botou tudo dizendo que era um jogo eleitoral. Ou seja, atacou aqueles que denunciaram. Quem denunciou passa a ser culpado, apontou Serra. Presente à sabatina, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) classificou a Casa Civil como uma fortaleza escura do governo federal desde os escândalos com Waldomiro Diniz e do mensalão. O parlamentar agendou reunião com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para pedir que o Ministério Público investigue as denúncias contra Erenice e seus familiares.

Depois de deixar Erenice, sua ex-assessora, à própria sorte, a presidenciável petista Dilma Rousseff esquivou-se de comentar a denúncia de que a ministra da Casa Civil auxiliou o filho em lobby nos Correios e na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Eu disse no debate de ontem tudo o que queria dizer sobre a questão. Não tenho nada a acrescentar, afirmou, depois de visitar a Federação Israelita de São Paulo. Dilma chegou à instituição com o pé imobilizado. Ela disse ter torcido o pé direito fazendo exercícios na esteira e terá de usar bota ortopédica por uma semana.

No encontro em São Paulo, a petista disse que a relação do governo com o Irã tem apenas um ímpeto pacifista para evitar que o país do Oriente Médio se arme com a bomba nuclear e desestabilize a região. Dilma aproveitou para condenar a posição do presidente daquele país, Mahmoud Ahmadinejad, de negar o holocausto. Nem eu nem o governo Lula nem o presidente achamos admissível a negação do holocausto. Ele ocorreu e as provas são contundentes. Não é admissível a volta daquela barbárie em qualquer período histórico, afirmou.

1 - Distrital misto Nem só de Erenice viveu a sabatina na OAB. Durante a conversa, Serra defendeu uma reforma política no país, começando pela instituição do voto distrital e por lista fechada, financiamento público de campanha e padronização dos programas de rádio e televisão, além da extinção do cargo de vice. A estratégia do tucano é aprovar as eleições por distrito e não mais por município ou estado , já no pleito para vereador de 2012, nas cidades com mais de 200 mil habitantes.

Ela não pôs a mão no fogo, mas ao mesmo tempo disse que era um jogo eleitoral. Quem denunciou passa a ser culpado

José Serra, candidato do PSDB à Presidência, sobre Dilma Rousseff