Título: Como há 50 anos, o rio virou sertão
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 14/09/2010, Brasil, p. 8

Níveis fluviais na Amazônia voltam a registrar queda semelhante à da década de 1960, quando a região viveu um dos piores períodos de estiagem. Situação atual provoca o isolamento de cidades e até a falta de combustível

O nível do Rio Solimões em Tabatinga (AM), onde uma estação mede o volume das águas, é o mais baixo dos últimos 40 anos, desde o início das medições pelo governo federal. O Rio Negro, também no estado do Amazonas, já está no mesmo nível registrado há 47 anos: em 1963 a Região Amazônica enfrentou um dos piores períodos de estiagem que se tem notícia. Agora, quase cinco décadas depois, a seca se antecipou na Amazônia e caminha para ser uma das mais severas na região, como evidenciam os monitoramentos realizados pela Agência Nacional de Águas (ANA).

Os últimos dados das estações da ANA, de 9 de setembro, mostram uma situação crítica em sete bacias hidrográficas da Amazônia. A atualização desse monitoramento e as consequências sentidas por milhares de ribeirinhos provam que a situação se agravou desde o dia 9, principalmente no Rio Solimões e no Rio Negro os dois se encontram para formar o Rio Amazonas, na região de Manaus. O baixo nível das águas do Rio Madeira também vem provocando isolamentos em Rondônia e no Acre.

As chuvas na Amazônia começaram a escassear em junho. Já são mais de três meses de uma estiagem crescente, o que está isolando comunidades inteiras, por causa das dificuldades de navegação em trechos de rios quase secos.

A balsa que liga Rondônia ao Acre, pelo Rio Abunã afluente do Madeira , está operando há dias com uma capacidade mínima. Cidades como Rio Branco, capital acriana, enfrentam falta de combustível e encarecimento dos alimentos. A situação mais grave, porém, atinge 25 cidades do Amazonas.

A Defesa Civil do estado emitiu alertas para esses 25 municípios, diante dos efeitos da estiagem prolongada. Sete cidades já responderam ao alerta e decretaram situação de emergência, reconhecida pela Defesa Civil. Outras duas devem tomar a mesma iniciativa ainda nesta semana. Ao todo, 5 mil famílias estão isoladas, sem condições de transporte, com dificuldades de acesso a alimentação e a combustíveis.

A Defesa Civil ainda calcula quantos são os alunos que precisaram interromper o calendário escolar simplesmente porque não têm como chegar às escolas. Nossas estradas são os rios. Quando seca o leito, os alunos ficam impedidos de ir à aula, lamenta o coordenador da Defesa Civil no Amazonas, tenente-coronel Roberto Rocha Guimarães.

O temor no estado é que a situação de seca neste ano seja semelhante ou até pior do que a registrada em 2005. Em outubro daquele ano, a Amazônia viveu a seca mais severa desde 1963. O governo do Amazonas decretou estado de calamidade pública em todos os municípios do estado. Cerca de 1,2 mil comunidades 32 mil famílias sofreram com falta de água potável e alimentos, impossibilitados de serem transportados por causa do baixo nível dos rios Negro, Solimões e outros cursos dágua de menor porte.

Pelo que já acontece no Rio Negro, e diante da antecipação da seca, a situação poderá se repetir neste ano, como alerta o superintendente de Usos Múltiplos da ANA, Joaquim Gondim, responsável pela prevenção de eventos críticos. Na última quinta-feira, dia 9, o rio tinha 20,47 metros. É o mesmo nível registrado em 9 de setembro de 1963. É bem provável que, com esse nível tão baixo, a região registre o mesmo período de seca de 1963, a maior seca num período de 100 anos, diz Joaquim.

Ponto zero Um grupo de especialistas em hidrologia e meteorologia do Amazonas, consultado pela Defesa Civil do estado, concluiu que a estiagem, neste ano, começou mais cedo na Amazônia. Por isso, as expectativas são ruins para os próximos meses de outubro e novembro, quando a seca deve se agravar.

No Rio Solimões, o nível da água já é o mais baixo registrado desde a década de 70, quando começou a ser feito o monitoramento. O último dado da estação de Tabatinga mostra um índice de 32 centímetros negativos. Isso significa o quanto o rio baixou em relação ao ponto zero da última régua colocada pelos técnicos da estação. Os técnicos não imaginavam que ia baixar tanto, afirma o superintendente da ANA, Joaquim Gondim.

No ano passado, segundo os registros já feitos pela ANA, o Rio Negro teve a maior cheia da história em Manaus: quase 30 metros. Agora, as comunidades locais do Amazonas sofrem com a seca. Os problemas estão concentrados principalmente nas regiões do Alto Solimões, na fronteira com o Peru e a Colômbia, e no Alto Juruá, na divisa com o Acre. Apenas embarcações de pequeno porte estão fazendo o traslado de produtos nessas regiões. As balsas estão conseguindo transportar o combustível para as termelétricas, mas a falta de abastecimento encarece os produtos alimentícios, ressalta o coordenador da Defesa Civil do estado.

"Nossas estradas são os rios. Quando seca o leito, os alunos ficam impedidos de ir à aula

Tenente-coronel Roberto Rocha Guimarães, coordenador da Defesa Civil no Amazonas

Problema na estrada

O transporte de soja a partir de Porto Velho (RO) e o de combustíveis e alimentos até Rio Branco (AC) estão comprometidos por causa da seca que atinge o Rio Madeira. A balsa que transporta carros e caminhões, a partir da BR-364, está levando seis horas para fazer um percurso que, em condições normais, é realizado em 45 minutos. A orientação da Defesa Civil no Acre é que ambulâncias, carros com algum tipo de emergência, cargas de combustíveis e de produtos considerados perigosos tenham prioridade no transporte.

Os rios do Acre ainda estão em situação tranquila, as embarcações conseguem navegar. O problema é no Rio Madeira, que passa por um período muito seco, explica o coordenador da Defesa Civil no estado, coronel João de Jesus Oliveira. Filas de caminhões estão se formando na BR-364, segundo ele, por causa da diminuição da capacidade de transporte da balsa.

As principais preocupações são com os combustíveis para veículos e para as termelétricas. Em alguns postos de Rio Branco, já chegou a faltar gasolina por causa da estiagem.

O nível da água do Rio Madeira em Porto Velho está menos de um metro acima da vazante máxima registrada em 2005, ano de uma das piores secas na Amazônia. Em Humaitá (AM), à margem esquerda do Madeira, são apenas 72 centímetros acima do menor nível já registrado, em 1969, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA). (VS)