Título: Cúpula da UE iniciará o polêmico processo de adesão da Turquia
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2004, Internacional, p. A-15

Dá para imaginar que, no encontro dos líderes da União Européia em Bruxelas, hoje e amanhã, eles terão pouco a dizer sobre o principal item da agenda: a proposta da Turquia de se juntar à UE. A Comissão Européia já recomendou para o ano que vem a abertura de negociações de associação; além disso, quase todos os líderes da UE são a favor. Mesmo assim a discussão não deverá ser fácil. A primeira questão polêmica será quando abrir as negociações. Os turcos querem uma data logo no começo de 2005. O que eles provavelmente terão será a promessa de início em algum momento do segundo semestre do ano que vem. O motivo é que o referendo francês sobre a Constituição Européia deve ocorrer em maio, e Paris está desesperada para evitar que a Turquia atrapalhe esse já difícil debate. O segundo problema será sobre o quanto ceder àqueles que querem deixar explícito que as negociações podem não acabar em associação, mas em uma "parceria privilegiada" (o que a Turquia diz que não aceita). A aposta é de que nenhuma referência a isso aparecerá na conclusão da cúpula. Os "turcocéticos" podem jogar outras iscas, como incluir um "mecanismo de gatilho" que faça as negociações serem suspensas no caso de as reformas de direitos humanos no país começarem a andar para trás. Haverá debate também sobre se uma associação integral poderia incluir uma exceção permanente em relação às normas da UE, especialmente em relação à livre movimentação de pessoas. E esta questão também não deverá constar das conclusões da cúpula de Bruxelas. Por trás dessas questões está ainda o medo de que Chipre, um novo membro da UE, possa sabotar todo o processo. A posição oficial do governo (grego-cipriota) é de que, a não ser que a Turquia o reconheça, pode vetar o início das negociações. De qualquer modo, o governo cipriota, abalado por ter encorajado a rejeição grego-cipriota em relação ao plano de unificação da ilha proposto pela ONU, estará sob grande pressão para que não exerça o veto agora. Outros membros são bastante a favor da Turquia. A Polônia foi recalcitrante, mas agora é firmemente a favor, já que seria um meio de promover a admissibilidade da Ucrânia. Os poloneses também se lembram de que, durante o Século XIX, o Império Otomano se recusou a reconhecer a dissolução de seu país. Em eventos diplomáticos, o sultão repetia sempre a pergunta: "Onde está o embaixador polonês?" De resto, Reino Unido, Escandinávia, Itália e a dupla ibérica estão do lado da Turquia. Os mais inquietos podem ser achados na França, na Alemanha, na Áustria e na Holanda. Na França, o presidente Jacques Chirac é um entusiasta quanto à entrada da Turquia. O mesmo não se pode dizer da maioria dos franceses e até mesmo do partido do presidente. Há muito ele vem dizendo que a Turquia tem uma "vocação européia". Mesmo assim, pesquisas mostram que 75% dos franceses são contra a admissão da Turquia. O partido do governo, o UMP, é contra, assim como seu novo líder recém-eleito, Nicolas Sarkozy. A maior objeção dos franceses é que a Turquia é grande, pobre e, acima de tudo, muçulmana. Os franceses então não temem apenas a mão-de-obra turca, mas também um porta-voz do islã. A França já tem a maior população muçulmana da Europa e vem encontrando dificuldades na sua integração, já que há regras estritas de separação entre religião e Estado, embora líderes religiosos muçulmano-franceses queiram garantir mais liberdade de expressão religiosa dentro das instituições. Se a França tem dificuldades em acomodar uma grande população muçulmana, alguns podem se perguntar o que fazer com um país inteiro. A outra objeção francesa se refere à preocupação quanto à mudança de natureza da Europa. A criação de uma união coesa já foi um projeto claro franco-alemão. mas a UE vem se tornando uma entidade cada vez mais fluida, com ambições políticas limitadas, onde o inglês prevalece sobre o francês. Alguns vêem a admissão da Turquia como a confirmação final dessa tendência. Chirac já cedeu um pouco, prometendo um referendo sobre a entrada da Turquia daqui a 10 ou 15 anos. Em uma recente viagem à Alemanha, ele também falou sobre uma "terceira via": embora afirmando que "França e Alemanha dividem a mesma meta -trazer a Turquia para a União Européia-", ele também falou em criar "uma ligação suficientemente forte" com a Turquia, menos do que a associação total, caso as negociações fracassem. Na Alemanha, a entrada da Turquia na UE é um tema ainda mais sensível do que em qualquer outro lugar. Apesar das ocasionais afluências populistas, o debate vem sendo feito de forma surpreendentemente racional -e há quase tantos alemães a favor da associação turca quanto contra. Podia-se até achar que o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, e, até mais, seu ministro do Exterior, Joschka Fischer, estivessem hesitantes. Mas a ameaça de terrorismo internacional mudou o tom deles. "Se tivermos sucesso em integrar um país islâmico, isso poderia aumentar nossa segurança", afirma Schröder, acrescentando que seria inconcebível para a UE fechar as portas depois de fazer promessas à Turquia por mais de quatro décadas. A oposição democrata-cristã (CDU) argumenta que, mesmo que a Turquia esteja pronta para uma associação sem restrições, a UE não está, tanto culturalmente quanto politicamente. "A Europa com a Turquia não será uma Europa de integração profunda", disse Angela Merkel, líder da CDU. Merkel é a mais forte defensora da noção de "parceria privilegiada". E ela espera conseguir uma referência sobre isso inserida nas conclusões da cúpula. Para tanto, pressiona o chanceler (premiê) austríaco, Wolfgang Schüssel, um conservador como ela, a apoiar essa medida. O governo austríaco até apóia a abertura de negociações, mas a opinião pública do país é bastante hostil. Os políticos alemães não se esquecem de que cidadãos alemães de origem ou raízes turcas estão crescendo como um importante eleitorado - e, diz-se, os social-democratas contam com apoio de dois terços desse eleitorado. Mesmo Merkel não é insensível: se ela quer se tornar chanceler em 2006, ela não poderá descer do trem depois de as negociações terem começado. Mas ela não consegue resistir o tempo todo às tentações populistas: por alguns dias, em outubro, ela brincou com a idéia de organizar uma petição contra a associação total da Turquia. Presidindo a cúpula em Bruxelas estará o premiê holandês, Jan Peter Balkenende. Sua tarefa será a mais delicada, pois a opinião pública em seu país, nunca muito afeita à entrada turca, se tornou fortemente contra, principalmente por causa da agitação sobre o islã causada pelo assassinato de Theo Van Gogh no mês passado. O partido de Balkenende, o Democrata Cristão, está dividido. Assim está também o Partido Liberal (VVD), parceiro da coalizão de governo. Outro holandês membro da Comissão Européia, Frits Bolkestein, que está de saída, disse certa vez que a adesão da Turquia poderia significar que a repulsão das forças otomanas às portas de Viena em 1683 foi em vão.