Título: Commodities em baixa podem ser ameaça a oásis sul-americano
Autor: Rathbone,John Paul
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2011, Internacional, p. A13

Todos os dias Luis Castilla, o ministro da Fazenda do Peru, diz que acende uma vela e "reza para a China não entrar em colapso". Suas orações são repetidas por muitos numa região que é um dos poucos oásis da economia mundial.

As economias sul-americanas, ricas em commodities, cresceram 5% no primeiro semestre deste ano. No ano passado, a região foi propulsora da economia mundial, acrescentando 0,5 ponto percentual à produção global. Mas a desaceleração da demanda asiática e a queda dos preços das commodities fizeram surgir o espectro de que a América do Sul, após ter ficado, em grande medida, a salvo da grande recessão de 2008-09, poderá não ter tanta sorte desta vez.

Uma recessão "trará mais danos do que da última vez, já que não haverá os mesmos efeitos positivos decorrentes [do crescimento] da China e da Índia", disse Sebastian Edwards, ex-economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina. Essa recessão "será mais mundial, e, portanto, nos afetará mais."

Induzidos pelo sombrio cenário americano e europeu, os mercados logo embutiram essa possibilidade nos preços. O cobre, que sustenta as exportações do Chile e do Peru, respectivamente o maior e o segundo maior produtor mundial, caiu 27% este ano, para US$ 6.990 a tonelada, valor inferior à sua média dos últimos cinco anos. A soja, que responde por 25% das exportações da Argentina, recuou 11%.

Já o petróleo, responsável por 90% das exportações da Venezuela, se manteve relativamente bem. Mas, a US$ 100 o barril, o preço do de tipo Brent está 20% inferior ao pico deste ano e apenas US$ 17 acima da média dos últimos cinco anos. Novos recuos restringirão a capacidade do presidente do país, Hugo Chávez, de elevar os gastos antes das eleições de 2012.

No entanto, a apertada oferta de commodities faz com que a maioria preveja só um breve declínio dos preços, e não um colapso. "Num cenário de 12 meses a dois anos, a perspectiva é muito boa", diz Catherine Raw, gerente de carteira de recursos naturais da administradora de fundos BlackRock.

Mas, se a queda do preço das commodities se revelar mais longa, haverá três consequências principais, segundo os analistas.

A receita de impostos cairá e os investimentos em projetos de mineração serão adiados ou até cancelados. Só o Peru espera mais de US$ 40 bilhões em investimentos na mineração nos próximos anos.

"Estou certo de que [a queda dos preços] afetará a decisão da implementar projetos que... pareciam bem interessantes com os preços altos", diz Diego Hernández, principal executivo da estatal chilena de cobre Codelco. "Agora haverá uma atitude mais cautelosa."

Em segundo lugar, os déficits em conta corrente vão aumentar. Num cenário extremo (a queda dos preços das commodities para os baixíssimos patamares a que recuaram no início de 2009), Brasil, Chile, Colômbia e Peru teriam déficit em conta corrente de mais de 5% do PIB, segundo previsão da consultoria Capital Economics.

Em terceiro lugar, a queda dos fluxos de capital ligados às commodities pressionará a taxa de câmbio para baixo. Isso poderá ajudar os exportadores brasileiros e mexicanos de manufaturados, mas comprometerá o poder de compra local e desacelerará o boom do crédito ao consumidor, fatores impulsionaram o surto de crescimento da economia latino-americana, que já dura dez anos.

"Infelizmente, o crédito ao consumidor e a valorização das moedas são os principais propulsores da arrancada do consumo", afirmou Walter Molano, economista de mercados emergentes da BCP Securities. "Isso significa que ela é vulnerável às mudanças nas condições externas."

Para enfrentar uma desaceleração interna, as economias mais bem-administradas da região ainda contam com armas poderosas. As taxas de juros têm muito espaço para cortes, os níveis de endividamento soberano continuam baixos e as reservas cambiais, altas.

Em contrapartida, os países contam com menos munição fiscal do que alguns anos atrás.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiu esta semana que os gastos públicos continuaram a aumentar, especialmente na Argentina e na Venezuela. Nos outros países, boa parte da região está computando déficits públicos estruturais depois de lançar poderosos pacotes de incentivo, em 2009.

Ninguém, portanto, está prevendo tempos apocalípticos para uma região que, sob muitos aspectos, está em melhor situação macroeconômica que o mundo desenvolvido. Os sistemas bancários estão saudáveis, apesar de muitos deles serem controlados por capital externo. As contas fiscais estão sólidas. E a inflação, baixa.

Mas uma queda prolongada das commodities porá de fato à prova, pela primeira vez, o que quase se tornou a nova ortodoxia econômica da região. (Colaboraram Javier Blas e Jack Farchy)