Título: Países da periferia do euro continuarão com dívida alta
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2011, Opinião, p. A14

Tornou-se um ritual macabro a insistência com que a cada reunião dos ministros das Finanças da zona do euro, além de nada decidir, se exige mais medidas de ajuste por parte do governo grego. Sob pressão cerrada da Alemanha, a maior economia do bloco, todos os países relevantes da união monetária estão com programas de ajuste fiscal. O resultado é uma contração em bloco, na qual o exemplo grego é o mais dramático. Os resultados dessa saga nos países que já estão sob socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Comissão Europeia não são animadores, se é que algum dia serão. O risco de rejeitar uma nova rodada de estímulos fiscais e juros mais baixos, como até agora vêm fazendo os líderes europeus, pode ser a implosão da zona do euro e uma série de catástrofes nacionais subsequentes que só serão contornadas após muitos anos de sacrifícios.

O exemplo grego é ilustrativo do que se conseguiu até agora com um programa de € 110 bilhões em três anos - claramente insuficiente - e outro de € 109 bilhões, aprovado em julho e que segue um caminho tortuoso. A economia grega, que já encolhera 4,5% em 2010, vai encolher mais ainda em 2011, 5,5%, acima das previsões. Com alguma sorte, recuará mais 2% em 2012. É uma crise espetacular, cuja origem é de responsabilidade do governo soberano da Grécia. O remédio amargo, porém, é produto do receituário europeu e do Fundo. Com todos os sucessivos pacotes de corte de gastos e aumento de impostos até agora lançados, o que se conseguiu foi uma queda na arrecadação líquida de 8,1% nos primeiros oito meses do ano ("Financial Times", 30 de setembro). O mais trágico dessa história é que o déficit do governo central não caiu, mas cresceu 22% no período. A meta era reduzir o rombo de € 24,5 bilhões para € 17,5 bilhões.

O governo grego elabora o orçamento para 2012 e perdeu qualquer autonomia para fazê-lo. A derrapada fiscal levantou novamente o coro da ortodoxia europeia e a liberação da nova parcela da ajuda do Fundo Monetário, de € 8 bilhões, depende de um acordo que ainda não veio, mas precisará vir até o início de novembro. O fato é que a Grécia, pelo receituário prescrito, terá de fazer maiores reduções de despesa do que já fez. É um círculo vicioso previsível que a levará ao calote.

Em situações menos extremas, mas longe de confortáveis, encontram-se Irlanda e Portugal. A Irlanda, que combinou uma bolha imobiliária com a falência de todo seu sistema bancário, conseguiu ter um crescimento zero no primeiro trimestre de 2011, o que não deixa de ser um progresso, diante de queda de 3% em 2008, 7% em 2009 e 0,4% em 2010. Ainda assim, já no quarto ano de crise, o consumo privado continua em queda e a taxa bruta de investimentos deverá recuar pelo menos 10,7% em 2011. O desemprego atinge 14% dos irlandeses e mais da metade dos desocupados está sem trabalho há mais de um ano. O crédito bancário continua sendo reduzido - desde seu pico, em 2007, já caiu 42%.

O déficit público irlandês foi de 11,8% do PIB no ano passado e diminuirá para 10,5% do PIB em 2011. A meta é levá-lo a 3% em 2015 e, assim, a dívida bruta total continuará crescendo. Ela passará, com todo o programa de ajuste, de 94,9% do PIB no ano passado para 111% em 2011. A dívida líquida não difere muito e chegará neste ano a 98,7%. O pacote de ajuda irlandês é de € 120 bilhões com € 22,2 bilhões já desembolsados.

Portugal tem pouco peso na encrenca atual na zona do euro, mas sua situação é crítica, porque tem uma dívida privada que corresponde a 260% do PIB e bancos altamente alavancados, com relação entre empréstimos e depósitos de 150% - níveis entre os mais altos da Europa. Além de um alto déficit público, de 9,1% do PIB em 2010, possui um déficit em conta corrente elevado, de 9,9% do PIB em 2010. Com todo o aperto do programa de ajuste, o desemprego atingirá um pico em 2013, com 13,5% (projeção do FMI) e não baixará muito até 2016, com 10,3% de desempregados. A dívida total pública deverá se situar no pico de 114,9% do PIB em 2013 e declinar para ainda preocupantes 110,5% do PIB em 2016. A previsão do Fundo é de que o país crescerá 2,5% no total de 2009 a 2016, algo como 0,3% ao ano, na média - quase uma década perdida.

Grécia, Irlanda e Portugal foram à bancarrota devido a suas enormes dívidas soberanas. Após vários anos e mais de € 400 bilhões de ajuda e muitos sacrifícios, sairão, com sorte, altamente endividados. Não se pode chamar isso de solução.