Título: Adultos acima do peso já são 40% e desnutridos, 4%, revela IBGE
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2004, Brasil, p. A-3

O brasileiro está menos subnutrido, mas continua comendo mal. Ao mesmo tempo, cresce o número de brasileiros obesos, com hábitos alimentares mais próximos do padrão americano. Estes estão substituindo o arroz com feijão pelos alimentos industrializados, com alto teor de gordura, e ingerindo muitos doces e refrigerantes, revela a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, realizada entre julho de 2002 e junho de 2003, que trata da questão nutricional da população. Surpreendentemente, os dados levantados em 48,5 mil domicílios em cinco regiões do país informam que a subnutrição deixou de ser um problema crônico no país. O percentual de pessoas com déficit de peso declinou na média para apenas 4% da população adulta com mais de 20 anos, ou 3,8 milhões de pessoas, enquanto o total de gordos e obesos alcança 40,6% ou 38,6 milhões. Em 1989, último dado disponível, o contingente de adultos acima de 18 anos com desnutrição era de 16% e de 33% o de brasileiros adultos acima do peso. Nos anos 70, o Brasil tinha 25% de sua população adulta com déficit de peso e apenas 4,7% de gordos e obesos. Eduardo Nunes, presidente do IBGE, destaca que apesar do número de subnutridos ter se tornado "razoável" se a referência for o padrão da Organização Mundial de Saúde (OMS) - que considera que um percentual de até 5% da população com baixo peso não indica risco de exposição à desnutrição -, "não significa que não há fome no Brasil". Para Nunes, a nova pesquisa não descarta o problema da desnutrição, mas revela a questão da obesidade crescente. "Esta é uma questão nova a que devemos estar atentos, é mais um foco das políticas públicas de saúde". Lilibeth Cardoso Robalo Ferreira, uma das coordenadoras da pesquisa, destaca que o fato de a subnutrição ter evoluído favoravelmente nos últimos 30 anos não tira de cena o problema nutricional do brasileiro. "Não há indicadores de massa corporal demonstrando que o país tem adultos com problemas sérios de desnutrição, mas não estamos dizendo em momento nenhum da pesquisa que as pessoas com excesso de peso ou obesidade estão nutridas adequadamente. O brasileiro come mal, como atesta nosso estudo, e pode estar com problemas de saúde por ingerir alimentos inadequados, como indica o levantamento que fizemos dos alimentos disponíveis nas residências", afirmou Lilibeth. De acordo com a pesquisa do IBGE, a dieta calórica diária per capita no Brasil estimada pela POF corresponde a 1.800 calorias, sendo 1.700 calorias nas cidades e 2.400 na área rural. Em termos de rendimento, o total de calorias por dia per capita ingerido pelas classes pobres, com rendimento de até um quarto do salário mínimo (R$65), alcança 1.485 calorias, e nos com renda acima de cinco mínimos, 2.075. Para Carlos Augusto Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, consultor do IBGE nesse trabalho, é possível adicionar 400 calorias por dia em média ao consumo dos mais pobres se considerada a alimentação feita fora de casa, já que essa faixa gasta 11% de sua renda comendo na rua, o que resultaria numa ingestão de 1.800 calorias. Ao teor calórico diário dos mais ricos é possível somar 700 calorias, o que os aproximaria de uma dieta de 3 mil calorias ao dia, por gastarem 37% de seu orçamento familiar em refeições fora. Pela pesquisa, numa dieta de 1.800 calorias por dia, os cereais participam com 50%. Cerca de 28% são comida altamente calórica, como gorduras, óleos, açúcar, refrigerante e bebidas alcoólicas. Mais 18% correspondem a produtos de origem animal, como carne, leite e derivados e ovos. Apenas 2,3% das calorias totais equivalem ao consumo de frutas, verduras e legumes, bem abaixo do padrão recomendado internacionalmente pela FAO, órgão das Nações Unidas para alimentação, que é de 6% a 7% para uma dieta de 2,3 mil calorias/dia per capita. Nesta lista, refeições prontas e misturas industrializadas são 1,7%, condimentos a 0,6% e oleaginosas, a 0,2%. Por classe de renda, a POF revela que os alimentos mais ricos em gorduras estão mais presentes na mesa dos ricos, que têm grande participação no contingente dos gordos e obesos. Os homens com renda acima de cinco salários mínimos somam 4,3 milhões de gordos e obesos, enquanto os que ganham um quarto de salário e estão acima do peso ou obesos não passam de 545 mil. Os pobres comem mais carboidratos (69,17% da dieta diária), contra 52,19% dos que ganham mais de cinco mínimos. Os ricos comem mais proteínas (13,86%), contra 11,72% da dieta dos mais pobres. Os que ganham melhor também consomem mais gorduras (33,95% contra 19,11%). Outros dados interessantes sobre a questão da alimentação e a renda mostram que os 20% mais pobres da população tiveram queda expressiva no déficit de peso nos últimos 30 anos. Os homens baixaram de um percentual de 9,5% de baixo peso para 4,3%. Eles também ficaram mais gordos: o contingente masculino com sobrepeso saltou de 0,5% nos anos 70 para 27% em 2002/2003.