Título: Aplicação de nova Lei de Falências divide advogados especializados
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2004, Política, p. A-7

A nova Lei de Falências, que aguarda apenas a sanção presidencial para substituir o decreto-lei de 1945 que até hoje regula o assunto, provoca dúvidas no meio jurídico. O texto aprovado apenas deverá ser publicado hoje no Diário da Câmara. Uma das principais incertezas é sobre a aplicação das novas normas para as empresas que estão atualmente em concordata. A aposta de advogados especialistas é que muitos temas serão disciplinados pela jurisprudência, à medida em que os juízes forem decidindo sobre casos concretos. A aplicação ou não da nova lei nos casos de concordata já existentes é o tema do artigo 192 da proposta aprovada pelos deputados na quarta-feira. Seu texto é confuso. Na parte principal do artigo, ou "caput", a possibilidade é vedada. "Esta lei não se aplica aos processo de falência e concordata ajuizados anteriormente", diz o texto. Mas no parágrafo segundo, abre-se uma janela. "A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta lei não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata", afirma. Nesta hipótese, " o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas". "É duvidosa a interpretação deste artigo, porque o texto não é claro", afirma o advogado Júlio Mandel, do escritório Mandel Associados, especializado em direito falimentar. Mandel lembra que a lei não explica o que é descumprir as obrigações no âmbito da concordata. "Esta é uma resposta que será construída à medida em que os juízes forem decidindo sobre a questão", diz. Para outro advogado, Murilo da Silva Freire, do escritório Leite, Tosto & Barros Associados, a nova lei não é tão obscura neste ponto. "Existe a migração do regime de concordata para o de recuperação judicial, desde que não seja o plano especial de recuperação criado para micro e pequenas empresas", opina. O plano especial para as empresas menores permite um parcelamento das dívidas em até 36 meses, com 180 dias de carência. Ele abrange, entretanto, apenas os créditos "quirografários", ou seja, dívidas que não estão amarradas a alguma garantia que possa ser executada. A proteção dos direitos dos credores minoritários também é objeto de debate entre os advogados do setor. A lei não obriga ao devedor obter a concordância de todos os credores em caso de recuperação extrajudicial ou de judicial e estabelece condições para um credor que se sinta prejudicado recorrer dos acordos. A recuperação judicial será válida com a aprovação da maioria absoluta de credores que representarem a maior parte das dívidas, divididos em três classes: os credores trabalhistas, os quirografários e os donos de garantias reais. O acordo extra-judicial poderá ser feito com o aval dos detentores de 60% dos créditos, mas terá que garantir os direitos de todos. A proposta torna crime fazer um acordo que prejudique um credor, punindo a ação com prisão de um a dois anos. Mesmo com essas garantias, há dúvidas jurídicas sobre a legalidade de obrigar um credor a cumprir um acordo do qual não participou. A nova Lei de Falências, com 201 artigos, entrará em vigor dentro de 120 dias. Um prazo como esse, conhecido pelo jargão jurídico de "vacatio legis", é comum quando se trata de leis complexas. O Código Civil aprovado em 2002, por exemplo, teve um prazo para a entrada em vigor de um ano, que depois foi prorrogado para mais doze meses. Praticamente todos os artigos da lei são auto-aplicáveis. A exceção é o que prevê o regime especial de parcelamento das dívidas tributária e previdenciária, que estão excluídos dos planos de recuperação que substituem a concordata. Mesmo assim, o artigo 68 do novo texto faculta, mas não obriga, o Executivo a enviar o projeto. "As Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir , nos termos da legislação específica, o parcelamento de seus créditos", diz o texto. Assim que tornar-se válida, os advogados apostam em uma divisão empresarial na utilização da lei. A tendência das grandes empresas é optar pela recuperação judicial. As pequenas, pela extra-judicial. A razão é que a recuperação judicial permite a venda de filiais das empresas sem sucessão tributária (o mecanismo pelo qual o novo proprietário herda as dívidas com o fisco do antigo) ou trabalhista.